SER SERTÃO: DA ARTE DA REVOLTA – IV
Rangel Alves da Costa*
Falar sobre Lampião naquelas redondezas era motivo pra muita curiosidade. Existiam muitos admiradores do lendário Rei do Cangaço, amantes de sua história e principalmente de suas façanhas, por ali mesmo, naquelas proximidades de mandacarus e xiquexiques. Outros ainda viam a imagem do capitão das caatingas com certas reservas, ora reconhecendo justiça nas suas proezas, ora maculando a sua imagem como verdadeiro malfeitor.
No seu íntimo, sem pretender fazer disso um endeusamento, o velho achava que a verdadeira história do sertão não seria tão grandiosa sem que algum dia tivesse existido pessoas como Padre Cícero, Antonio Conselheiro e Lampião. O capitão Virgulino era tão necessário no sertão como o sol e a chuva, sem os quais não se poderia imaginar a existência desse mundo cheio de encanto e fascínio, mas também de dor e sofrimento.
Tinha prazer em falar sobre Lampião e por isso mesmo cuidou logo de dar prosseguimento ao seu proseado. E disse:
Nascido em Vila Bela, hoje Serra Talhada, no sertão pernambucano, pertencia a uma família de lavradores e pequenos criadores. Como era usual numa região assolada pelas encrencas, ciúmes e ambição, sua família foi confrontada por outra, de um coronel, gerando um conflito que culminou com a morte de seu pai pela polícia, em 1920.
Dizem que por causa disso e extremamente revoltado e ansioso por vingança, Lampião chamou seus irmãos mais velhos e disse que já que haviam perdido tudo, agora restava somente matar ou morrer. A partir daí tomou o rumo do cangaço, trilhando os estados nordestinos, fazendo justiça com as próprias mãos, saqueando cidades e fazendas e lutando contra a polícia, ou volantes, como eram chamados os perseguidores dos cangaceiros.
Depois de muito lutar contra o sistema, e muitas vezes pactuar com esse mesmo sistema em busca de proteção; desiludido com o jogo de interesses do sertanejo, cansado e traído, muitas vezes traído, Lampião foi morto em junho de 1938, mais precisamente no dia 28 de junho de 1938, na gruta do angico, nas beiragens do Velho Chico, no atual município sergipano de Poço Redondo. Com ele foram também massacrados sua companheira Maria Bonita e mais nove cangaceiros. Contudo, se tal fato marca o fim do cangaço, não se pode dizer o mesmo daquilo que lhe deu origem, que foi o latifúndio, a ambição desenfreada dos poderosos e a miséria sombreando uma classe trabalhadora cada vez mais explorada.
Na verdade, no nordeste não se pode dizer que foi o fim disto ou daquilo. O que desaparece retorna com outra roupagem, com jeito novo para o muito antigo. O latifúndio, que nunca deixou de existir, transformou-se na empresa agropecuária, seja produtiva ou improdutiva; o coronel, que deu uma cachimbada no visual e nos modos de tratamento, é visto agora como o empresário ou político rico, que sai pelos interiores comprando pequenas propriedades por preço de banana e cercando-se de levas de trabalhadores cruelmente explorados.
Mas não é só isso, tem mais. O mandonismo, que tanto encurralou e encabrestou submissos eleitores, converteu-se num deslavado e repugnante assistencialismo, num manuseio da miséria para os mesmos fins eleitoreiros; e o povo em si, a vítima eterna de estruturas sociais que afrontam os mais dignos sensos de humanidade, transfigurou-se agora numa inconsciente, e até conscientemente, massa de manobra, num me bata que eu fico sorrindo, me chute que eu gosto de ser bola, de ser brinquedo.
Há alguns anos atrás começaram a pregar que os latifúndios nordestinos estavam com os dias contados, prestes a serem derrubados suas cercas e seus arames, e tudo porque estava chegando, como uma verdadeira onda vermelha, o tal do MST, que dizem ser Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
Chegaram sim, vieram com tudo, foram invadindo, botando pra correr de suas terras muitos latifundiários, mas só isso. Quero que algum dentre vocês que estão aqui nessa praça me diga o que esse movimento fez de bom, útil ou produtivo até hoje, a não ser invadir o que é dos outros, matar os rebanhos, destruir plantações e depois lotear as terras que serão vendidas em seguida ou trocadas por motos, carros velhos ou bugigangas? Sem falar na insegurança, no medo, em tudo que é ruim que parte desses falsos sem terras trazem para o sertão. Sem terra uma ova, sem vergonha, sem respeito aos direitos dos outros, sem nenhum caráter, e fazendo da politicagem um meio de assegurar cadeira na varanda do poder.
O velho se mostrava enraivecido, revoltado, a tempo de explodir. Providenciaram um gole d'água, que ele prontamente tomou para se acalmar, recobrar o fôlego e prosseguir.
continua...
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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