QUANDO EU ERA MAIS VELHO
Rangel Alves da Costa*
Quando eu era mais velho, lembro bem, não tinha esse medo do amanhã que tenho hoje, pois o futuro da vida parecia sempre estar na dependência do instante seguinte. Por isso mesmo eu era bem mais conformado, bem mais consciente da realidade e do que poderia acontecer se não me cuidasse bem no restante dos dias que ainda imaginava ter para viver. Talvez tenha sido por isso que durei tanto tempo e ainda estou aqui, muito mais moço e sonhador.
Quando eu era mais velho, não posso esquecer, tinha a sabedoria dos grandes sábios, o pensamento profundo dos filósofos, o destemor dos deuses mitológicos, o tesouro guardado dos aventureiros, as lições dos eternos aprendizes, as fórmulas mágicas dos grandes magos e feiticeiros, a vontade de viver do doente terminal e a esperança dos que acreditam sempre. Somente quando comecei a perder algumas batalhas com o tempo é que comecei a perceber que o ser humano é apenas uma parte nisso tudo, falível quase sempre ao se achar com poderes demais. Por isso é que recomecei, para aprender com a falta da humildade que me faltou e envelhecer talvez por completo um dia.
Quando eu era mais velho e me chamavam de velho, e eu não me importava com isso mesmo que a velhice vista fosse como algo imprestável, ainda assim procurava me situar dentro dos limites da velhice para vivenciar na pele e ao redor o que é o verdadeiro preconceito e a discriminação, o esquecimento e o desrespeito, o precisar sempre e o nunca ter, as dificuldades em ter assistência e amparo, a doença e o não atendimento, a falta de cuidados médicos, a desatenção nas filas enormes, a omissão daqueles que são pagos para respeitar, o tanto faz dos mais jovens e o abandono e o descarte providenciados pela própria família. Quando eu era jovem nunca fui assim, por isso mesmo é que regressei no tempo para poder confirmar se o homem é ruim pelo estado de jovialidade ou se torna mais áspero porque o espírito assim está predisposto e deseja.
Quando eu era mais velho, lembro como se fosse hoje, para muitas pessoas bastava que eu tivesse uma cama para deitar, uma cadeira para sentar, uma bengala para ajudar a caminhar, uma roupa qualquer para vestir e algum alimento para comer. Esqueciam que eu precisava viver porque ainda estava vivo, e nessa precisão necessitava ser visto como as demais pessoas, sorrir, brincar, passear, conversar, namorar o meu velho amor, sonhar os sonhos que não envelhecem, compartilhar com os outros aquilo que todos têm direito. E porque não me tratavam assim, é que retornei, recomecei a vida para viver ao lado dos mais velhos as experiências emocionantes dos mais jovens. Não estarei ensinando nada, apenas darei oportunidades de continuarem fazendo aquilo que bem sabem fazer.
Quando eu era mais velho, e até emociona profundamente quando lembro disso, ouvi muitas vezes, bem ao meu lado e sem nenhum constrangimento, alguns dos meus familiares comentando a minha morte, providenciando o velório dos humildes, me enterrando na cova rasa sem velas e flores e até já dividindo entre si o que consegui juntar na vida, e até brigas e discussões por causa dos restos dos meus bens materiais eu ouvi. Isso vai ser meu, aquilo vai ser seu, não quero isso e sim aquilo, era o que comentavam, como se os restos de minha pessoa estivessem sendo partilhado na violência do sangue familiar. E voltei a ser jovem para construir muito mais, ter mais posses e mais bens, só que agora para viver o máximo possível do que for conseguido e mais tarde já saber deixar a quem realmente mereça receber o quinhão dessa minha luta.
Quando eu era mais velho, e choro só de pensar nisso, os meus netos, todos na minha idade ao inverso, pareciam ser as únicas pessoas da família que verdadeiramente me amavam, compartilhavam dos meus momentos e me faziam viver. Vô, vamos brincar! Vô, conte aquela historinha! Vô, você está triste? Vô, se eu perguntar uma coisa você responde? Vô, quando eu ficar assim na sua idade, você ainda deixa eu brincar com você? Por isso voltei no tempo, estou aqui, bonito e saudável, para ter muitos filhos e brincar todos os dias com eles e dizer que um dia um velho me ensinou que precisamos aproveitar cada instante da vida, de forma feliz e muito feliz, para que mais tarde não se chore a lágrima da tristeza por não ter vivido.
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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