SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 2 de maio de 2010

QUALQUER COISA LÁ EM CIMA... (Crônica)

QUALQUER COISA LÁ EM CIMA...

Rangel Alves da Costa*


A qualquer instante do dia, mas principalmente ao entardecer e anoitecer, João, Marina, Pedro ou Maria sempre levantam o olhar para as distâncias lá de cima e ficam mirando os muitos mistérios que formam os horizontes e o firmamento. Nesse olhar, sempre carregado de saudade, angústia e tristeza, procuram encontrar respostas para os pensamentos povoados de retratos e fotografias, velhas cartas e bilhetes, faces não esquecidas, sorrisos que ainda sorriem e vozes que ainda se ouvem como se o adeus fosse dito agora.
Mas o que é que tem lá em cima, senão o azul do céu, o negrume da noite, o sol indeciso, a lua enigmática, as estrelas vaidosas e os astros cadentes, os asteróides e planetas, o homem na nave, as nuvens embranquecidas ou carregadas, o pássaro, o voo, os ventos que sopram, os raios incidindo, a poluição, os extraterrestres escondidos, a chuva que cai, o mistério e os mistérios?
Razão tinha o poeta ao afirmar que há mais mistérios entre o céu e a terra do que imagina a vã filosofia. Verdade: há mais mistérios lá por cima, pelos horizontes etéreos, nas vizinhanças do céu, do que imagina qualquer mente humana, por mais perspicácia e inteligência que tenha. Ora, se tudo pudesse ser resolvido num olhar, os viventes das tardes e das noites não ficariam cotidianamente e instantes a fio com os seus telescópios astronômicos (olhos, coração, saudade, tristeza, voo sem sair do lugar, imaginação) tentando encontrar respostas para suas indagações e vazios.
Num canto, em qualquer canto, cada um no seu canto, perto da goiabeira no fundo do quintal, na cadeira de balanço na calçada, na janela do quarto, no meio da noite em qualquer lugar, sob a última luz do sol em qualquer brecha que se aviste, sentado nas areias da praia deserta, estendido nas pedras da montanha distante, de braços abertos em oração e cabeça erguida, no banco da praça, na porta aberta somente para os olhos, em qualquer lugar, os olhares se voltam lá pra cima, os olhos se fecham levemente ou miram fortemente, a mente ganha asas e o pensamento viaja. Ah! como é bom te encontrar, estou com saudades, me deixe te sentir ao menos nesse momento!...
Marina está com saudade de alguém que está muito longe e então abre a janela, olha para o azul e busca avistá-lo, e onde esteja, esse outro talvez esteja fazendo a mesma coisa no meio da rua, parado por um instante e tentando ver no espelho lá da cima como vai o seu amor. Pedro, poeta e solitário que é, não pode chegar ao final de uma tarde sem encontrar lá no alto suas deusas, seus motivos e suas queixas. Chama tudinho para perto de si e então escreve um poema bonito, cheio de mistérios insondáveis e que fará também viajar qualquer possível leitor. Com João e Maria também é assim. A chuva ou o sol, tudo é motivo para trazer alento ao desalento pela perda, pela partida, pela certeza de que não mais encontrará. E olham pra cima, fecham os olhos, e as lágrimas vão se formando como tempestade.
Lá em cima, dependendo de quem olha e o que quer enxergar, tudo é muito bonito ou muito feio, muito alegre ou muito triste. Mas não são só os daqui que sentem necessidade de olhar. Alguém lá por cima deverá estar nos vendo também e dizendo que nem tudo é refletido lá no alto, pois as pessoas primeiro devem enxergar o que está ao redor, bem ao lado e o que ainda não foi visto mesmo estando dentro de cada um. É que muitas vez as respostas estão por aqui mesmo, no que nos cerca e no que ainda não conhecemos em nós mesmos.
Então, que não esqueçamos de olhar lá em cima, mas procuremos também olhar um pouquinho pra dentro de nós mesmos. Alguém um dia fez isso e se encontrou de tal forma que hoje quem vive por fora era o que estava alegremente escondido por dentro.


Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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