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terça-feira, 18 de maio de 2010

MÃOS DE ESMOLA (Crônica)

MÃOS DE ESMOLA

Rangel Alves da Costa*


Certa vez um velho falou que gostaria de ter a quiromancia dos ciganos todas as vezes que alguém lhe estendesse a mão pedindo uma esmola. Na mão aberta estendida, e sem que o outro percebesse, poderia decifrar o que o mundo lhe reservou para que estivesse naquela condição de pedinte, quais as verdades por trás daquele gesto e quais as reais carências naquelas mãos de esmola.
Não sabia por que, mas sempre achou que deveria fazer muitas perguntas a todos aqueles que chegavam à sua porta ou encontrava nas ruas naquelas condições de extrema necessidade, para viverem se submetendo à doação de uma moeda ou de um objeto. Se pudesse enxergar nos olhos o espelho das necessidades poderia sentir realmente a extensão da fome, da pobreza, da carência momentânea ou do engodo, da trambicagem e do costume em pedir sem necessitar.
Sabia que as pessoas de bom coração, aquelas que procuram amparar seus irmãos de vivência nos momentos mais difíceis e sempre estão dispostos a compartilhar do que tem com o outro em situação menos desfavorável, fazem isto sem tencionarem no ato de doar uma diminuição nos pecados ou uma prestação de contas daquele que acha que tem demais ou que indevidamente possui. Contudo, mesmo estas pessoas têm consciência que nem todas as mãos que lhes são estendidas estão realmente marcadas pela necessidade.
Muitas vezes, assim que essa mesma pessoa de bom coração pega uma moeda de pouco valor, um pão com mortadela ou qualquer objeto já com marcas de algum uso e entrega ao pedinte que de olhos tristes lhe implora, é surpreendida pelo fato inusitado de que ali adiante ou próximo a qualquer esquina, a pessoa que mostrava tanto desejar receber qualquer coisa estará abrindo a boca para reclamar da esmola, para dizer barbaridades contra a pessoa que doou, para joga no chão ou no lixo a camisa ou o pão com manteiga.
Tudo isso é possível acontecer e só realmente acontece porque as pessoas não podem ler imediatamente o que a mão estendida quer realmente dizer com aquele gesto. As pessoas conscientes sabem que muitos dos pedintes fazem isto como verdadeira profissão,vez que acostumados a viverem somente das benécies dos outros. Pode ser mesmo que nas primeiras vezes que pediram tiveram razão para tal, mas de tanto receber e acumular doações, passaram a fazer disto uma prática cotidiana, sem nenhuma necessidade e com intenções puramente lucrativas.
Por outro lado, outras pessoas existem que só estendem as mãos para pedir uma esmola porque de outro modo não saciará a fome, a sede ou não comprará o medicamento que tanto necessita para sobreviver. Tais pessoas estendem as mãos da mesma forma que os outros, mas certamente nas linhas da palma da mão estendida estarão os caminhos que levam ao coração que, ao mesmo tempo magoado e envergonhado, sorri de alegria e satisfação, cujo pulsar de realização espiritual jamais é percebido pelo doador. Apenas os olhos brilham com uma intensidade diferente, bonita e verdadeira, e a boca pronuncia palavras de agradecimentos que nunca estão à altura do que está com vontade de dizer, num verdadeiro e profundo Deus lhe abençoe.
Por isso mesmo é difícil saber a quem doar, impossível saber num instante se o ato de pedir é carência ou necessidade, impossível pedir que o coração do pedinte fale de sua necessidade, impossível ler nas mãos a história triste que leva àquele gesto. Se temos demais, contudo, que erremos até ao doar aos que não necessitam, pois as linhas tortas da vida serão consertadas em nosso próprio espírito e nossa alma, vez que o outro que falseia a fé já faz disso um pecado que vai de encontro ao que diz a própria bíblia, à palavra de Deus:
"Dá esmola dos teus bens, e não te desvies de nenhum pobre, pois, assim fazendo, Deus tampouco se desviará de ti" (Tb, 4,7); "porque a esmola livra do pecado e da morte, e preserva a alma de cair nas trevas" (Tb, 4,11); "porque a esmola livra da morte: ela apaga os pecados e faz encontrar a misericórdia e a vida eterna" (Tb, 12,9); "A água apaga o fogo ardente, a esmola enfrenta o pecado" (Eclo, 3,33); "Todavia, sê indulgente para com o miserável, e não o faças esmorecer depois da esmola" (Eclo, 29,11); "Quando, pois, dás esmola, não toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens. Em verdade eu vos digo: já receberam sua recompensa" (Mt, 6,2); "Assim, a tua esmola se fará em segredo; e teu Pai, que vê o escondido, recompensar-te-á" (Mt, 6,4); "Era religioso; ele e todos os de sua casa eram tementes a Deus. Dava muitas esmolas ao povo e orava constantemente" (At, 10,12).
Certa vez um menininho pobre estendeu a mão e antes que pronunciasse qualquer palavra um homem foi logo dizendo com arrogância: "Nessa idade e já pedindo esmola, quando crescer vai querer pegar a pulso". E foi quando o menino falou: "É que sua carteira caiu tio, tome!".




Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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