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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 28 de maio de 2010

SER SERTÃO: DA ARTE DA REVOLTA – VI

SER SERTÃO: DA ARTE DA REVOLTA – VI

Rangel Alves da Costa*


É inegável, porém, que boa parte dos trabalhadores teve seus olhos abertos para enxergar, mesmo que turvamente, as tantas injustiças e desigualdades sociais. Quando seus filhos choram pedindo alimento, estão prestes a sucumbir por falta de papa de farinha ou de fubá de milho; quando ficam com o pé na cova por falta de cuidados médicos e de remédios; quando não vão estudar porque a escola é longe demais e lá não é servido nenhum tipo de merenda, tudo isso passou a ser encarado como um problema social, com culpados nas esferas de poder e que podem e devem ser apontados.
Não se fala mais que as coisas acontecem porque Deus quis assim ou porque isso ou aquilo era desejo do Criador, mas sim que a culpa é do prefeito, do governador ou do presidente. A raiva, o ódio e a palavra firme do sertanejo não mais calam e consentem. Não aceitam mais, por exemplo, que as desgraças tanto vistas nas secas sejam tidas simplesmente como causas naturais, porque a natureza é assim mesmo. E o homem, que tanto dinheiro tem pra combater as secas, por que não faz nada?
Como dito, apenas uma parte dos sertanejos passaram a pensar assim, como gente e não como eternos medrosos e submissos. Estes encaram a vida como a medonha deve ser encarada. Outros não, pois muitos parecem que até gostam de viver se rastejando nos pés das autoridades, pedindo esmolas pra tudo e tendo que aceitar todas as injustiças como um fardo próprio do sertanejo, e que por isso mesmo terão que carregar calados.
De certo, as coisas vão mudando, mas muito pouco. Ninguém parece querer tirar o sertão de sua sina. As coisas mais absurdas continuam acontecendo sem que ninguém diga ou faça nada. Nesse contexto, só pra citar outro exemplo, se o filho do pobre não morre mirradinho logo quando criança, mais tarde certamente vai comer o pão que o diabo amassou, pois sem perspectivas de viver com dignidade, trabalhando e fazendo valer sua força sertaneja. Infelizmente vai viver, com todos os efeitos e consequencias, pelos caminhos da marginalização social degradante e suicida, sem que possa, ao menos, ter qualquer ajuda para sair dos muitos e muitos abismos.
Como a marginalização é fruto do próprio sistema, e este lava suas mãos para o que der e vier, descompromissando-se com a razão humana da sobrevivência digna, uma classe de excedentes e excluídos passa a viver no sertão como se este fosse um palco de grande capital. Daí a prostituição infantil a se alastrar desenfreadamente, miseráveis a dividir calçadas para pedir esmolas, traficantes de drogas surgindo que ninguém sabe de onde e usuários que todo mundo sabe de vem, roubos e furtos cada vez mais crescentes, bandidos amedrontando e tirando o sossego das famílias, uma tal de moda e um tal de modismo que só trazem consequencias ruins, enfim, todos os males de uma civilização arbitrariamente repousando onde o futuro não sabe se terá chances de alçar voo.
Divina comédia humana, diria o observador distante. Impiedosa tragédia humana, ensinaria o sertanejo.


Depois de tanto falar e dizer, confirmar e se exaltar, o velho acrescentou que não retornaria mais ao assunto. Segundo ele, não tinha jeito mesmo. O que não tem remédio, remediado está. E depois saiu...

continua...




Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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