*Rangel Alves da
Costa
Olha a
singeleza das coisas! Em Poço Redondo, pelos arredores de onde atualmente está
a pretensa imagem da santa padroeira, havia um jardim de pedrinhas brancas, com
um cruzeiro ao meio, e bancos de pedras em cada esquina. No cruzeiro, que subia
pela sua cruz de madeira, abaixo havia como se uma pequena bancada rodeando
toda a sua extensão. Obra do prefeito Cândido Luís de Sá, eleito vereador e
presidente da Câmara Municipal, mas que assumiu a prefeitura quando o então
prefeito Durval Rodrigues Rosa foi deposto pelos militares de 64.
Sim, não
era um jardim florido, fato que se daria somente a partir da administração
Alcino Alves Costa, que aos 27 anos assumiu os destinos do município em 1967.
Aliás, foi a gestão Alcino que povoou a sede municipal com os belos e
deslumbrantes jardins. A Praça da Matriz era um canteiro florido de canto a
outro, porém nada igual ao que se avistava na Praça Arnaldo Rollemberg Garcez,
atual Eudócia. Toda planificada, arborizada, florida e contando ainda com uma
fonte luminosa que era o fascínio da população. As águas subiam, dançavam no
ar, cintilando entre luzes e cores de verdadeira magia.
As praças
construídas por Alcino ainda estão na memória saudosa de todos. Só mesmo quem
viveu aqueles tempos para alegremente recordar, mas, ao mesmo tempo, sofrer e
chorar pela situação atual das praças municipais. Havia gente que entrava na
cidade somente para fotografar nas praças e jardins. Hoje, infelizmente, nem
mesmo o poço-redondense mais politicamente apaixonado pode dizer que há uma praça
ao menos conservada na sede municipal. Tudo ao abandono, ao descaso, ao caos. E
o último canteiro florido que havia na cidade, que era o jardim de Dona Mazé
Crente, foi parcialmente destruído com a conivência criminosa da administração
municipal.
Mas voltando
à pracinha construída por Seu Candinho quando prefeito. Como dito acima, não
era florida nem abundantemente arborizada, mas de uma meiguice e singeleza sem
igual. Do quadrado do cruzeiro, com suas pedrinhas brancas, pequenas artérias
desciam pelas laterais até chegar ao passeio rodeando toda a praça. E ao longo
do passeio bancos de cimento espalhados pelas esquinas e nas partes centrais.
Quantas serestas apaixonadas já foram ali realizadas, madrugando adentro, ao
som de violões e mesmo da sanfona de Zé Goití: Saudades de Matão, ai quanta
saudade!
Contudo,
era Alcino o mais fascinado por aquele cruzeiro da pracinha. Moço bem
apessoado, um Don Juan daquelas redondezas matutas, era metido a namorador (e
namorava mesmo), ainda que casado. Então, no intuito de despertar corações,
enviando cartinhas e bilhetes através de cada letra música, ele, já altas horas
da noite, chegava à pracinha levando uma radiola e um punhado de discos. Música
sertaneja, caipira de raiz, mas sempre amorosa, apaixonada. Colocava o disco na
vitrola e ficava de pé, cantarolando de olhos fechados, gesticulando em direção
ao luar (e às janelas entreabertas).
Aquela
pracinha representou o lado mais poético que havia em Alcino. Enquanto mais
cedo, jovens ali sentavam à espera das amadas, e quando elas chegavam se
mantinham lado a lado, apenas segurando à mão, Alcino gritava de coração
aberto. Um grito nascido de sua paixão pela música e também por aquelas musas
imaginadas em cada canção. Segundo ele, tinha certeza que muita mulher chorava entre
as frestas da janela ou embaixo dos travesseiros.
Era bonito
avistar os namorados sentados naqueles bancos. Quando a noite era de lua cheia,
as pedrinhas pareciam brilhar. Então surgia um mar embranquecido dentro da
noite sertaneja. Um mar de amor até antes das dez da noite, pois a partir daí o
coreto e arredores eram dos noctívagos, dos seresteiros. E principalmente de
Alcino, que transformava o silêncio da noite em voz gritante ao coração.
Recordo um Poço Redondo assim, e que saudade me dá!
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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