*Rangel Alves da
Costa
Antigamente,
em Poço Redondo, os mais velhos sempre tinham uma desculpa boa para se achegar
ao pé do balcão e pedir para descer uma. Antes da comida pesada, da carne gorda
de porco, de um sarapatel ou feijão com mistura de tudo, a cachaça servia para
preparar a barriga, para não dar indigestão.
Em
situações assim, Mané Azedinho era só atravessar a rua - a mesma Prefeito João
Rodrigues - e no outro lado entrar por uma das três portas do Bar de Delino. Ao
pé do balcão, batia no pé do bucho e pedia para descer uma “zenebra”, assim se
referindo à Genebra Guichard. Um hábito entre muitos sertanejos. Já João
França, mestre de obras por excelência, separava o domingo para a sua
beberança, mas apenas com cerveja. Em qualquer bar que chegasse, mas
principalmente em Delino, logo pedia: “Desce aí uma Brahma”. Somente depois de
uma cinco é que esquecia a marca.
Quando de
sua morte, a numerosa família de João França teve, além da dor da perda, um
sofrimento redobrado, fato que até hoje marca a história de Poço Redondo. E
assim porque no mesmo dia também faleceu sua esposa. Uma perda na manhã e outra
um pouco depois, fazendo com que seus filhos, parentes e amigos, redobrassem as
lágrimas e os sofrimentos.
Até hoje é
como se a finada Selma - outra conterrânea de Poço Redondo - estivesse
esbanjando sua alegria e simpatia entre todos. Sempre brincalhona, já então
avançada no seu tempo, festejava a vida como se estivesse prevendo seu curto
itinerário. Morena simpática, de pele tingida de sol, um dia disse adeus depois
de já consumida pela enfermidade. Assim também com Decinha e tantas outras e
outros que deixaram muitas saudades.
Por falar
em Mané Azedinho, era na sua calçada que todo santo dia, de sete da noite em
diante, que se reunia um grupo de sertanejos para colocar em dia os assuntos
surgidos e outros chegados a galope. Pai Né, o próprio Mané Azedinho, Meron,
Joãozinho de Neusa, Ireno Cirilo, Vadinho de Mané Joaquim, Nanã, Praxede, Manezinho
França, Florêncio, Odom, Bastião Joaquim, e tantos outros, ali chegavam e em
proseado permaneciam até tarde da noite. Não havia o perigo de agora.
Nas noites
de hoje, assim que avisto Djalma (Doutor de Iolanda), Tonho Meu (Tonho de
Clotilde), Francisco Rocha e outros sertanejos, reunidos em proseado na calçada
da loja de Kelly, sempre me vem a recordação daquele outro grupo sentado mais
adiante, descendo na mesma rua, como se tudo se repetisse com outra feição. Rua
que na calçada Dona Araci, em tardes de sombreados e brisas boas, sentava com
sua almofada de bilros e se punha a entrançar linhas, mudar espinhos, mexer com
as bolotas de madeira, seguindo o molde no papelão rente ao pano.
Por falar
em Doutor de Iolanda, é do seu nome que vem uma assertiva interessante: grande
parte dos poço-redondenses nasceu, na verdade, em Pão de Açúcar. Seu nome
Djalma é uma homenagem ao médico alagoano Doutor Djalma, abnegado profissional
que sempre fazia os partos das mulheres que para a vizinha cidade alagoana se
deslocavam ao surgirem as primeiras dores. Chegavam entre solavancos da estrada
de chão e ainda tinham de atravessar o rio para chegar ao hospital. Por isso
mesmo que muito choro de menino foi ouvido pelas estradas, muito antes da beira
d’água.
Um Poço
Redondo rico em histórias, em causos, em proseados. Assim como a passagem de
João da Bicha pelo lugar. Sóbrio, era um homem na sua normalidade, bem vestido
de branco, de chapéu, cordial. Mas de repente e se transformava totalmente. Já
era o feiticeiro, o bêbado doentio e trêmulo, o mandingueiro vivendo às sombras
de uns restos de uma casa abandonada. Quando revirado, pois, quando envolto em
mistérios e magias, era o verdadeiro medo em pessoa.
Um medo
parecido com o causado por Tonho Bioto quando surtava. O homem pacato se
transformava num perigo danado, pegando em pedra, tamborete, ameaçando jogar.
Diferente de Agostinho, que vivia em surto apaixonado, delirando em palavras
uma antiga mágoa de amor.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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