SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 31 de julho de 2016

GOSTO DE PESSOAS


*Rangel Alves da Costa


Gosto de pessoas, de pessoas simples, humildes, verdadeiras, apenas pessoas, e mais ainda quando são sertanejas. E sendo de Poço Redondo, possuem moradia e repouso no meu coração.
Gosto de pessoas assim como Marcello, agora autointitulado Ratzinger, que cordialmente acrescento Cardeal Marcello Ratzinger. Marcelo é pessoa de fé, que ama sua igreja, sua paróquia, seus ofícios no dia a dia com santos e liturgias. Pessoa meiga, inteligente, afetuosa, um bom amigo para se prosear por horas inteiras.
Gostava muito de pessoas assim como Neném de Dona Clotilde, recentemente falecida, mas que ainda se faz como presente todas as vezes que visito ou passo defronte a casa de sua mãe. Guardo retratos ao seu lado, sentindo prazer em estar à sua presença e ouvindo sua voz tão pouca e tão significativa. Na última visita, levei uma caixa de chocolate. Experimentou, não gostou, mas depois deu um sorriso de satisfação. Foi embora e me deixou saudades.
Gosto de pessoas assim como Dona Lisiê, ribeirinha das bandas do Bonsucesso, hoje aportada em Poço Redondo, um doce de amiga que me alegra a alma. Desde muito que a conheço, desde os tempos que o meu pai era prefeito e a encontrava sempre na prefeitura ou visitando a casa de Dona Peta. É também Costa, certamente com parentesco, com muitas pessoas ali de Bonsucesso. Mas o que mais me encanta é avistar seu sorriso ainda distante. Quando me aproximo, então sinto uma aura boa envolvendo o abraço.
Gostava de pessoas assim como meu amigo Juquinha, ou Leto, como mais conhecido. Juquinha ainda tinha muitos encontros marcados com a vida, mas partiu cedo demais. Possuía características muito incomuns a quem vivia rodeado de amigos: vivia num mundo somente seu, de modo silencioso, reflexivo, falando apenas o bastante para ser compreendido. Nas suas palavras, a verdade, eis que nunca gostou de se envolver com conversinhas e disse-me-disse. Por que pensava mais do que falava, preferia o som do silêncio e o prazer da presença de um ou outro amigo que estivesse à altura de seu coração.
Gosto de pessoas assim como aquele velho que encontro nas minhas andanças sertanejas e sinto que se alegra à minha presença, que se sente surpresa em ser reconhecido e por isso mesmo lança palavras tão cativantes como verdadeiras. Gosto de pessoas assim como aqueles que foram amigos na infância e ainda me chegam com palavras e abraços todas as vezes que os encontro pelas ruas e estradas. É de pessoas assim que eu gosto. Como no passado eu gostava de prosear em pé de balcão com pessoas como Abdias, João Paulo, Galego, Chico de Celina, Liberato, qualquer um que chegasse aboiando ou encourado.
Gosto de pessoas assim como minha prima Nininha, ou a Rainha Nininha do Reinado do São José. E gosto ainda mais pela sua luta, pelo seu esforço, pelo seu incansável afazer seja debaixo do sol ou da chuva, da lua ou do clarão, a todo instante que seja preciso fazer. Saio caminhando, sigo pela estrada de chão, mas quando chego ao seu reinado, sempre avisto a princesa no meio do mato, de vara à mão tangendo animais, cuidando dos porcos, pesando ração, fazendo queijo, tudo sem parar. E ainda tem tempo de sorrir quando se aproxima de alguém. E ainda tem tempo de servir a todos que dela necessitem. Miudinha, a danadinha, mas nenhuma mulher com tamanha postura e decência de vida.
Gosto de pessoas que não vivem sem causa, que não se cansam de defender suas ideias, que se preocupam com a cultura, com a história, com as tradições do lugar. Gosto de pessoas assim como Quitéria de Bonsucesso, como Belarmino, como Damião Rodrigues, como João Vítor e os demais que cuidam da Capela do Poço de Cima. Gosto de cada menino que corre em cima de um cavalo de pau para preservar nossa cultura, de cada sertanejo que ecoa no pífano a nossa tradição, de cada moço e moça que faz do xaxado uma permanência histórica. Ah, como gostava de Dona Alzira e seu leilão, seu pífano, sua dança, sua alegria contagiante.
Gosto de pessoas assim. Citei somente algumas de propósito, para causar ciúmes. Gosto de todo mundo. E não importa que gostem de mim ou não. Gosto de gostar, e pronto, sem meias palavras ou falsidades.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: