*Rangel Alves da
Costa
Caminhando
entre velhas árvores e folhas mortas, avistando tufos ralos de mato e restos de
tudo por todo lugar, de repente se descobriu um lobo. Sim, do nada lhe surgiu a
ideia de estar vivendo agora como um lobo. Ou com motivos para pensar assim,
pois seus caminhos e passos já não se diferenciavam daqueles errantes
solitários, vagantes dos cumes e estepes, uivando suas dores na escuridão: os
lobos.
Os lobos
são os seres mais incompreendidos que possam existir. O homem também é lobo
dessa incompreensão, desse desconhecimento que o torna repulsivo e repugnante.
Um bicho feroz e perigoso, sempre à espreita, que pode atacar a qualquer
instante. Homens e lobos na sua estrada, no seu monte, no seu descampado. O
mesmo passo de solidão, o mesmo uivo de dor, a mesma angústia existencial.
Contudo, só lhes avistam a fera.
A não
incompreensão acaba ocultando a realidade. Triste daquele ou daquilo que seja
visto e considerado apenas pela aparência, pela suposição do que seja, e não
perante sua realidade. O pior é que as suposições são sempre as mais negativas
possíveis. Neste sentido, não há lobo bom, mas apenas lobo mau, feroz, voraz,
perigoso. Por analogia, o homem vai sendo revestido de lobo toda vez que deixa
de ser avistado como um ser comum, que também padece e sofre, que amarga as
angústias da vida, para ser transformado em frio e perigoso animal.
Ninguém
quer compreender as dores dos lobos e as dores do homem. São as mesmas dores,
os mesmos sofrimentos, os mesmos destinos e os mesmos desatinos. Naquele olhar
frio, atento à presa, pronto ao ataque, não há lugar para a lágrima. É assim
que sempre se imagina. Quer apenas se lançar sobre o outro, devorar sua carne,
suas entranhas, beber o seu sangue, vomitar o seu fel. É assim que sempre se
imagina. Mas lobos e homens possuem olhos que avistam os mesmos horizontes
imaginados aos olhares mais sensíveis: o que é belo não pode ser avistado
diferente. Mas as dolorosas paisagens não podem trazer brilhos alentados ao
olhar.
Entre
lobos e homens analogias de medo e pavor. Como a noite sem lua que carrega o
medo e o labirinto que esconde o inesperado, assim também os dois perante as
incompreensões. Ninguém se dá ao esforço de imaginar um uivo de lobo com outra
significação senão que há, pelos arredores ou nas distâncias, um ser perigoso
que ameaça com o seu grito. Ninguém se dá ao esforço de imaginar um pranto de
um homem, um soluço dorido, senão como uma demonstração de fraqueza e covardia.
É que ninguém se dá ao esforço de compreender homens e lobos.
No uivo, a
tristeza, a solidão, a carência, o desejo, o desesperado grito. Mas ninguém
compreende assim. Na transgressão da mente, ou inversão do real em cruel
fantasia, sempre o olho vermelho, o dente afiado, a boca sangrenta, o ataque a
qualquer instante. É que ninguém compreende o lobo. E ninguém, e nisto o
próprio homem, quer compreender o homem. E por isso mesmo não pode chorar, não
pode sofrer, não pode gritar sua dor. É sempre visto como covardia, fraqueza,
fragilidade humana. E se grita, se esbraveja, se tenta ser ouvido além do
gemido, então logo se diz da fera que dele se apossou. É que ninguém compreende
o homem.
Lobos e
homens não são sempre falsos, matreiros, sórdidos. As deturpações criadas não
podem ofuscar as realidades. O lobo vive e convive sua vida selvagem, perigosa,
ameaçada, caçada. Sabendo-se presa, também se torna predador, por instinto e
necessidade de sobrevivência. Não vai além de sua fome, não vai além do que
necessita para sobreviver. E se mostra mais forte do que realmente é para ser
respeitado no seu mundo de forças brutas. E o que é o homem senão o lobo na rua?
Tudo isso
ele imaginava enquanto caminhava entre velhas árvores e folhas mortas,
avistando tufos ralos de mato e restos de tudo por todo lugar. Imaginando,
pensando, e se reconhecendo também um lobo incompreendido. Também por que já
incompreendido enquanto ser humano. Amargurado, cansado, desejava mesmo gritar
e fazer ecoar velhas indignações guardadas no peito. Ou talvez subir num monte
e uivar feito um lobo. Mas ninguém compreenderia o homem e seu brado, apenas o
avistaria como fera enlouquecida.
Então
sentou numa pedra para chorar. E chorou. Assim como também fazem lobos e
homens.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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