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domingo, 24 de julho de 2016

OS LOBOS


*Rangel Alves da Costa


Caminhando entre velhas árvores e folhas mortas, avistando tufos ralos de mato e restos de tudo por todo lugar, de repente se descobriu um lobo. Sim, do nada lhe surgiu a ideia de estar vivendo agora como um lobo. Ou com motivos para pensar assim, pois seus caminhos e passos já não se diferenciavam daqueles errantes solitários, vagantes dos cumes e estepes, uivando suas dores na escuridão: os lobos.
Os lobos são os seres mais incompreendidos que possam existir. O homem também é lobo dessa incompreensão, desse desconhecimento que o torna repulsivo e repugnante. Um bicho feroz e perigoso, sempre à espreita, que pode atacar a qualquer instante. Homens e lobos na sua estrada, no seu monte, no seu descampado. O mesmo passo de solidão, o mesmo uivo de dor, a mesma angústia existencial. Contudo, só lhes avistam a fera.
A não incompreensão acaba ocultando a realidade. Triste daquele ou daquilo que seja visto e considerado apenas pela aparência, pela suposição do que seja, e não perante sua realidade. O pior é que as suposições são sempre as mais negativas possíveis. Neste sentido, não há lobo bom, mas apenas lobo mau, feroz, voraz, perigoso. Por analogia, o homem vai sendo revestido de lobo toda vez que deixa de ser avistado como um ser comum, que também padece e sofre, que amarga as angústias da vida, para ser transformado em frio e perigoso animal.
Ninguém quer compreender as dores dos lobos e as dores do homem. São as mesmas dores, os mesmos sofrimentos, os mesmos destinos e os mesmos desatinos. Naquele olhar frio, atento à presa, pronto ao ataque, não há lugar para a lágrima. É assim que sempre se imagina. Quer apenas se lançar sobre o outro, devorar sua carne, suas entranhas, beber o seu sangue, vomitar o seu fel. É assim que sempre se imagina. Mas lobos e homens possuem olhos que avistam os mesmos horizontes imaginados aos olhares mais sensíveis: o que é belo não pode ser avistado diferente. Mas as dolorosas paisagens não podem trazer brilhos alentados ao olhar.
Entre lobos e homens analogias de medo e pavor. Como a noite sem lua que carrega o medo e o labirinto que esconde o inesperado, assim também os dois perante as incompreensões. Ninguém se dá ao esforço de imaginar um uivo de lobo com outra significação senão que há, pelos arredores ou nas distâncias, um ser perigoso que ameaça com o seu grito. Ninguém se dá ao esforço de imaginar um pranto de um homem, um soluço dorido, senão como uma demonstração de fraqueza e covardia. É que ninguém se dá ao esforço de compreender homens e lobos.
No uivo, a tristeza, a solidão, a carência, o desejo, o desesperado grito. Mas ninguém compreende assim. Na transgressão da mente, ou inversão do real em cruel fantasia, sempre o olho vermelho, o dente afiado, a boca sangrenta, o ataque a qualquer instante. É que ninguém compreende o lobo. E ninguém, e nisto o próprio homem, quer compreender o homem. E por isso mesmo não pode chorar, não pode sofrer, não pode gritar sua dor. É sempre visto como covardia, fraqueza, fragilidade humana. E se grita, se esbraveja, se tenta ser ouvido além do gemido, então logo se diz da fera que dele se apossou. É que ninguém compreende o homem.
Lobos e homens não são sempre falsos, matreiros, sórdidos. As deturpações criadas não podem ofuscar as realidades. O lobo vive e convive sua vida selvagem, perigosa, ameaçada, caçada. Sabendo-se presa, também se torna predador, por instinto e necessidade de sobrevivência. Não vai além de sua fome, não vai além do que necessita para sobreviver. E se mostra mais forte do que realmente é para ser respeitado no seu mundo de forças brutas. E o que é o homem senão o lobo na rua?
Tudo isso ele imaginava enquanto caminhava entre velhas árvores e folhas mortas, avistando tufos ralos de mato e restos de tudo por todo lugar. Imaginando, pensando, e se reconhecendo também um lobo incompreendido. Também por que já incompreendido enquanto ser humano. Amargurado, cansado, desejava mesmo gritar e fazer ecoar velhas indignações guardadas no peito. Ou talvez subir num monte e uivar feito um lobo. Mas ninguém compreenderia o homem e seu brado, apenas o avistaria como fera enlouquecida.
Então sentou numa pedra para chorar. E chorou. Assim como também fazem lobos e homens.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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