*Rangel Alves da
Costa
O
governante eleito que após assumir começa a choramingar e dizer que está de
pires à mão. É tudo mentira. Ora, ninguém gasta fortunas, rios de dinheiro,
para abocanhar uma prefeitura quebrada ou um governo falido. Ninguém promete e
se compromete tanto, acorda até o impossível de realizar, para assumir o que
nada tem. O problema é a tal da sede ao pote. Quer logo beber da doce água, mas
como a gestão passada deixou o pote sem fundo, então é um chororô de não acabar
mais. Depois acostumam a chorar somente quando surgem as cobranças, e nos
escondidos festejam alegres.
Dizer que
Virgulino Lampião foi envenenado ou que saiu ileso da chacina de 38, na Gruta
do Angico, e morreu já envelhecido pelas bandas das Minas Gerais. É tudo
mentira. Não só morreu o cangaceiro-mor como mais dez do bando, incluindo sua
Maria, a bonita. Os tiros foram certeiros, as cabeças foram expostas, o
comandante da volante detalhou como cercou o coito e como deu cabo ao Capitão e
parte de seu bando. Aparecer com conversa fiada é conspirar contra a história e
negar as realidades dos fatos. Foi no Angico que o cangaço teve fim, ainda que
Corisco só tenha sido emboscado dois anos depois.
As juras e
promessas no namoro, no compromisso, no noivado e principalmente na celebração
do casamento. É tudo mentira. Nem mesmo o sacristão acredita naquelas repetidas
e sempre descumpridas palavras: prometo ser fiel, amar e respeitar, na alegria
e na tristeza, na saúde e na doença, por todos os dias da nossa vida, até que a
morte nos separe. Raramente há um convívio conjugal onde haja mútua fidelidade,
amor recíproco, comunhão de vidas. No passo da modernidade, onde as
permissividades mundanas destroem lares e casamentos, o por toda a vida, até que
a morte separe, torna-se cada vez mais difícil de ser sustentado.
A leitura
dos evangelhos e a constante visita à igreja e aos cultos sacros são portais
suficientes à salvação. É tudo mentira. De nada vale ler e reler cada linha do
texto bíblico, tudo aprender e decorar, mas pouco ou quase nada praticar.
Nenhuma valia terá a permanência num templo sagrado se o coração não se mostra
revestido do divino verbo. A salvação será fruto da obediência aos ensinamentos
e do fiel compromisso aos desejos de Deus. E ser obediente, para fins de
salvação, é também se manter a salvo dos rotineiros pecados e das tentações da
boca, do coração e do pensamento.
A mentira
tem pernas curtas, diz o ditado. Mas tudo mentira. Tamanho é o alcance das
pernas da mentira que quando alcançadas e desmascaradas já chegaram a
distâncias inimagináveis e provocaram danos irreparáveis. Mesmo que sejam
alcançadas na próxima esquina, ainda assim seu sopro mentiroso já alcançou
quarteirões, já foi modificado para pior, já se tornou muito difícil de ser
desacreditado. Assim por que a mentira não tem pernas, e sim uma boca faminta
por espalhar inverdades e desonrar qualquer um. Age como uma flecha que parte fininha,
silente, mas que vai provocando estragos por todo o percurso.
Moça nova,
bonita e carinhosa, de repente dizer que está perdidamente apaixonada por um
velho, sendo este rico e gastador. É tudo mentira. E deslavada mentira. Moça
nova que age assim, repentinamente tomada de amores por um homem de idade já
muito avançada, o tal cupido pode ter outra denominação: esperteza, golpe do
baú, vileza, maquinação, surrupiamento. O mais instigante é que em tais
relações, o que a mulher mais deseja é logo casar de papel passado, com
comunhão universal de bens, e contrair núpcias em igreja lotada para que todos
vejam “quanto amor ela nutre por aquele bondoso homem”. A intenção maior todo
mundo já sabe: que ele bata logo as botas e ela fique zanzando por aí, no luxo
e no festim.
Colocar o
que tem à venda e depois da venda entregar todo o ganho ao pastor, pois tudo
retornará em dobro e muito mais. É tudo mentira. Nenhum ensinamento sagrado diz que o fruto da
luta do homem deverá ser revertido a outro homem, senão para o sustento daquele
que lutou para alcançar a colheita. Uma vez entregue, a pobreza se abaterá de
tal forma que logo chamará como companhia a desesperança, a descrença, a
loucura. E não adiantará se ajoelhar aos pés do espertalhão, pois este sempre
dirá que a doação pela fé é poupança feita para o reino eterno.
Assim,
muito do que se diz e se faz, e aparenta verdade, não passa de mentira. A
própria verdade pode se transformar em descrença pela mentira. Em meio a tantas
crenças em incertezas, pouco resta ao homem sabe discernir no que acreditar. Ou
talvez fazer do pessimismo uma forma de avistar as coisas e os fenômenos pelas
suas fragilidades. Ou ainda ser descrente igual a Tomé, tendo que ver para
crer. E ainda assim acreditar somente naquilo que não pode ser negado.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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