*Rangel Alves da
Costa
Conheci
que era doido pela aparência. Com aspecto e cor de difícil definição, de idade
incerta pela barba crescida e rosto rugado de sol, cabelo desalinhado e longo,
calça larga e uma camisa de malha por cima de outra com mangas compridas e já
bastante surrada de tempo, uma sacola descendo do umbro, no olhar brilhoso uma
estranheza sem fim. É doido, logo pensei.
Sentando
num banco de praça, observando a estranha figura passar adiante, jamais
imaginei que o homem, de repente, resolvesse parar seu percurso e se dirigir ao
local onde eu estava. E mais, arriou sua sacola ao lado e se assentou bem junto
a outra ponta do banco. Juro que tive vontade de sair no mesmo instante, de
levantar e evitar aquela desconhecida e surpreendente presença. Mas arrisquei.
Fiquei.
Passaram-se
uns dois minutos de absoluto silêncio. Eu tudo fazia para não despertar
qualquer atenção, voltando o meu olhar para bem distante. E ele parecia fazer o
mesmo, pois também mirava adiante e sem qualquer preocupação com a minha
presença bem ao lado. Mas de repente abriu a boca para dizer: “Hoje eu não
trouxe milho para os pombos. Sempre trago um bolso cheio, mas hoje esqueci.
Você tem milho aí para dar aos pombos?”
Os pombos
estavam realmente ali, ciscando pelo chão, voando e sujando de canto a outro.
As palavras eram conexas à realidade, então logo imaginei não se tratar de um
doido, mas apenas de uma pessoa com jeito de ser e vestir diferentes, talvez
apenas um excêntrico se diferenciando do comum das pessoas. Silenciou
novamente, abriu a sacola e dela retirou alguns escritos, e amassados e sujos
de tal forma que somente ele poderia decifrar o que ali se continha.
Estendeu
sua mão com a intenção de me entregar uma daquelas folhas: “É sobre o fim do
mundo, a profecia da Grande Pedra. Leia”. Refutando o pedido sob o argumento de
que não sabia ler, achei melhor dali me retirar no mesmo instante. Em mim agora
a certeza de que não se tratava de uma pessoa normal de jeito algum, fato que
foi se confirmando com as palavras pronunciadas em seguida à minha negativa de
leitura. E disse o homem:
“A Grande
Pedra, que é o profeta maior, fez chegar em minhas mãos a profecia sobre o fim
do mundo. Somente eu sei como será o fim do mundo. Mas vou dizer a você como
será, já que mesmo de anel no dedo diz que não sabe ler. Pessoas que mentem
serão das primeiras a sucumbir com a grande queda vinda do alto. Do alto
descerá a Grande Pedra, em pessoa, sobre a cabeça de todo mundo. Eu serei o
único sobrevivente da hecatombe, pois fui escolhido para reinar sobre a terra”.
Não me
contive e perguntei: “E quando será a descida da Grande Pedra?”. Logo ele
respondeu: “A qualquer momento, podendo ser agora, mais tarde ou mesmo amanhã.
Acho que a Grande Pedra ainda veio porque enviei uma mensagem ao profeta. Pedi
a ele que ao invés de cair como pedra, que desça como pétalas de flor. Assim
porque tenha certeza que flor possui um efeito mais devastador do que pedra.
Ora, o povo não sabe mais o que é flor, não sabe mais o que é uma pétala, uma
lírio, uma rosa, um jasmim. O povo só sabe o que é dinheiro, arma, compra,
venda, preço, carro, roupa cara, luxo, modismo, sexo e violência. Quando as
pétalas caírem então todo mundo se assustará e sucumbirá pelo medo”.
Juro que
eu já estava achando a história interessante, e mais convidativa ainda ficou
quando ele disse: “Designado pela Grande Pedra, então reinarei sobre a terra. E
no meu reinado não permitirei que nasçam pessoas ruins. As safras da vida serão
germinadas apenas com as melhores sementes. Os meus súditos não aprenderão
outra coisa senão o amor, amar, respeitar, compartilhar, viver como irmãos que
dependem de si para sobreviver. Não haverá nem governantes nem políticos, não
permitirei corrupção ou espertezas, será sumariamente banido da terra todo
aquele que se mostrar com ódio ou carregar consigo uma arma. A minha lei será
uma só: viver com felicidade”.
De repente
ouvi um barulho, talvez de um avião cortando os espaços, mas o homem
prontamente fez sua tradução: “É a Grande Pedra que já vem. E já vou para o meu
palácio”. Saiu apressado, enquanto eu fiquei esperando cair do alto alguma
pétala de flor. Talvez ainda a reconhecesse, mesmo que nem recorde quando vi
uma flor. Sim, o doido tem razão.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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