SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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quarta-feira, 17 de agosto de 2016

CONVERSANDO COM DOIDO


*Rangel Alves da Costa


Conheci que era doido pela aparência. Com aspecto e cor de difícil definição, de idade incerta pela barba crescida e rosto rugado de sol, cabelo desalinhado e longo, calça larga e uma camisa de malha por cima de outra com mangas compridas e já bastante surrada de tempo, uma sacola descendo do umbro, no olhar brilhoso uma estranheza sem fim. É doido, logo pensei.
Sentando num banco de praça, observando a estranha figura passar adiante, jamais imaginei que o homem, de repente, resolvesse parar seu percurso e se dirigir ao local onde eu estava. E mais, arriou sua sacola ao lado e se assentou bem junto a outra ponta do banco. Juro que tive vontade de sair no mesmo instante, de levantar e evitar aquela desconhecida e surpreendente presença. Mas arrisquei. Fiquei.
Passaram-se uns dois minutos de absoluto silêncio. Eu tudo fazia para não despertar qualquer atenção, voltando o meu olhar para bem distante. E ele parecia fazer o mesmo, pois também mirava adiante e sem qualquer preocupação com a minha presença bem ao lado. Mas de repente abriu a boca para dizer: “Hoje eu não trouxe milho para os pombos. Sempre trago um bolso cheio, mas hoje esqueci. Você tem milho aí para dar aos pombos?”
Os pombos estavam realmente ali, ciscando pelo chão, voando e sujando de canto a outro. As palavras eram conexas à realidade, então logo imaginei não se tratar de um doido, mas apenas de uma pessoa com jeito de ser e vestir diferentes, talvez apenas um excêntrico se diferenciando do comum das pessoas. Silenciou novamente, abriu a sacola e dela retirou alguns escritos, e amassados e sujos de tal forma que somente ele poderia decifrar o que ali se continha.
Estendeu sua mão com a intenção de me entregar uma daquelas folhas: “É sobre o fim do mundo, a profecia da Grande Pedra. Leia”. Refutando o pedido sob o argumento de que não sabia ler, achei melhor dali me retirar no mesmo instante. Em mim agora a certeza de que não se tratava de uma pessoa normal de jeito algum, fato que foi se confirmando com as palavras pronunciadas em seguida à minha negativa de leitura. E disse o homem:
“A Grande Pedra, que é o profeta maior, fez chegar em minhas mãos a profecia sobre o fim do mundo. Somente eu sei como será o fim do mundo. Mas vou dizer a você como será, já que mesmo de anel no dedo diz que não sabe ler. Pessoas que mentem serão das primeiras a sucumbir com a grande queda vinda do alto. Do alto descerá a Grande Pedra, em pessoa, sobre a cabeça de todo mundo. Eu serei o único sobrevivente da hecatombe, pois fui escolhido para reinar sobre a terra”.
Não me contive e perguntei: “E quando será a descida da Grande Pedra?”. Logo ele respondeu: “A qualquer momento, podendo ser agora, mais tarde ou mesmo amanhã. Acho que a Grande Pedra ainda veio porque enviei uma mensagem ao profeta. Pedi a ele que ao invés de cair como pedra, que desça como pétalas de flor. Assim porque tenha certeza que flor possui um efeito mais devastador do que pedra. Ora, o povo não sabe mais o que é flor, não sabe mais o que é uma pétala, uma lírio, uma rosa, um jasmim. O povo só sabe o que é dinheiro, arma, compra, venda, preço, carro, roupa cara, luxo, modismo, sexo e violência. Quando as pétalas caírem então todo mundo se assustará e sucumbirá pelo medo”.
Juro que eu já estava achando a história interessante, e mais convidativa ainda ficou quando ele disse: “Designado pela Grande Pedra, então reinarei sobre a terra. E no meu reinado não permitirei que nasçam pessoas ruins. As safras da vida serão germinadas apenas com as melhores sementes. Os meus súditos não aprenderão outra coisa senão o amor, amar, respeitar, compartilhar, viver como irmãos que dependem de si para sobreviver. Não haverá nem governantes nem políticos, não permitirei corrupção ou espertezas, será sumariamente banido da terra todo aquele que se mostrar com ódio ou carregar consigo uma arma. A minha lei será uma só: viver com felicidade”.
De repente ouvi um barulho, talvez de um avião cortando os espaços, mas o homem prontamente fez sua tradução: “É a Grande Pedra que já vem. E já vou para o meu palácio”. Saiu apressado, enquanto eu fiquei esperando cair do alto alguma pétala de flor. Talvez ainda a reconhecesse, mesmo que nem recorde quando vi uma flor. Sim, o doido tem razão.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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