*Rangel Alves da
Costa
Mesmo que
a língua portuguesa se contente em dizer apenas que o substantivo masculino
Sinhô é abreviatura da forma de tratamento Senhor, há muito mais que se
reconhecer na antiga pronúncia. Não é somente uma questão de abreviar ou moldar
a fala segundo a posição do outro, mas reconhecer neste uma forma especial de
merecimento. Neste sentido, a expressão sinhô pode tomar uma conotação ora de
respeito ora de sujeição.
Os
escravos assim tratavam os seus patrões, os seus donos, enquanto os seus filhos
eram chamados sinhôzinho. Também os jagunços, capatazes e dependentes dos
antigos donos do poder, utilizavam tal forma de tratamento como reverência e
submissão à autoridade. Talvez por uma fuga ou dificuldade de correta
pronúncia, toda vez que o senhor se transformava em sinhô é porque havia algum
tipo de subordinação no falar.
Ademais,
mesmo sendo uma forma coloquial, informal ou popular, a expressão sinhô traz
consigo muito mais relevância do que comumente se imagina. A forma de
tratamento então utilizada para com os poderosos indicava não só o respeito
como a reverência. Em tal contexto, envolvendo muito mais que o gentil
acatamento, passava a caracterizar modos de exteriorização da subordinação e da
submissão. Logo se depreende um contexto de força, de poder, de autoridade.
Certamente
que o senhor coronel não exigia ser chamado de sinhô, mas sempre lhe soava bem
ser assim reverenciado, pois como se a pronúncia correspondesse a uma terna
aceitação de seu poder e mando. Não raramente também como gesto de filiação
paternal ou de reconhecimento de sua bondosa autoridade. Logicamente que o
pensamento do senhor coronel não correspondia à realidade, vez que assim era
tratado não por devocionamento ou afeto, mas como pura expressão de
subserviência e medo.
Eis a
questão do ego coronelista. Não se contentando com o poder, com o mando, com a
força autoritária e o respeito forçado, parecia-lhe muito pouco ser conhecido e
tratado por nome comum: Boanerges, Cirineu, Leodegário, e por aí vai. Alguns
foram buscar na patente militar, de graciosidade governamental através da
Guarda Nacional, a oficialização de sua poderosa alcunha. Mas outros, de
resquícios mais antigos, construíram suas patentes pela autoridade de mando e
todas suas mais características expressões: clientelismo, assistencialismo,
voto de cabresto, apadrinhamento, exacerbação de poder regional. E também pelo
ferro e fogo sempre reservados aos subordinados e desafetos.
O mando
coronelista lhe imprimia um caráter quase mítico, endeusado, heroico, ou tantas
vezes assombroso e apavorante. Tais características eram urdidas desde além do
alpendre do casarão até os gabinetes governamentais, a partir do comando de
jagunços, capatazes, matadores, assalariados, empobrecidos, à influência
perante aqueles que elegia ou que lhe devia favores nas diversas hierarquias de
poder. Daí o poder alastrado pelos seus latifúndios, arredores e mais além. Daí
as outorgas e os reconhecimentos, os medos e as obediências, tornando o homem
num senhor absoluto: o senhor coronel dono do mundo. Ou, como gesto de maior
deferência, simplesmente sinhô.
Os anais
da história do poderio regional estão repletos de imponentes senhores e sinhôs.
Tanto no termo cerimonial, de escrita correta, como no termo popular,
suprimindo a vogal e a consoante. Os senhores de engenho, os senhores
latifundiários, os senhores da política e do poder, os senhores comandando
vidas e destinos de um povo tido sempre como servil. Mas também os sinhôs, de
mesmos poderes, mas geralmente voltados para outros tipos de afazeres e
influências, tais como o sinhô coronel, o sinhô de terra e rebanho, o sinhô
dono do latifúndio e da pobreza, o sinhô do jagunço e do rifle.
Em cada
sinhô se circunscreve um contexto específico na história brasileira, mas em
todos o reconhecimento através da imposição de poder, que quando não absoluto
forjado na bala, na valentia, na tocaia, na emboscada, pelo troco bem dado
segundo a desfeita recebida. E também pela proteção recebida das altas esferas
governamentais e políticas, como retribuição pelos favores eleitorais. Tal era
o prestígio que mesmo os mandatários da nação não se negavam a beijar a mão estendida
pelo sinhô. E endeusado perante os seus, fosse pela proteção concedida ou pelo
respeito imposto a todo custo.
Sinhô
Pereira, um letrado chefe de bando, primeiro chefe de Lampião, não foi
propriamente coronel, mas descendente do coronelismo do Coronel Andrelino
Pereira da Silva, o Barão de Pajeú. Mas outros sim, muitos outros ostentaram
terno de linho de linho branco pelos feudos nordestinos: Sinhôzinho Malta, de
Palmeira dos Índios; Sinhô Badaró (Francisco Fernandes Badaró), coronel do
cacau. E tantos outros “Sinhô” em nomes como Chico Romão, Veremundo Soares,
Horácio de Matos, Franklin Lins de Albuquerque, Douca Medrado, Anfilófio
Castelo Branco, Abílio Rodrigues, Lídio Belo, João Sá, João Maria de Carvalho,
Elísio Maia. Todos coronéis, todos senhores, todos “sinhô”.
E não por
acaso que os filhos dos coronéis eram também chamados de sinhôzinho. E desde
novinhos já paparicados, já bajulados. Só não sabiam que estavam alimentando
insolentes egos e preparando açoites que depois recairiam sobre os seus
próprios lombos.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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