*Rangel Alves da Costa
Os leilões de agora são muito diferentes
daqueles de antigamente. Ainda num tempo de candeeiros, de lamparinas e luz da
lua sobre os arredores da cidade, ainda assim não havia festa mais iluminada e
bonita.
Como para um evento junino, as malhadas das
fazendas – geralmente pequenas propriedades – ganhavam bandeirolas, fogueiras e
enfeites e comodidades apropriadas à ocasião. E após o anoitecer a chegada dos
sertanejos das vizinhanças e mais distante, a pé ou montados em cavalos ou
jumentos.
O leilão era o evento anunciado, mas evento
matuto inseparável do forró pé-de-serra, do pífano, da dança em sala de reboco,
do chinelado fazendo a poeira levantar, da bebida e da casca de pau, do flerte
e do namoro. E também da confusão, de vez em quando. Negar uma voltinha de
dança era tido como desfeita de briga.
Quando o dono da casa mandava parar o fole
para anunciar os inícios, então não demorava muito e o leiloeiro recebia a prenda
a ser leiloada e começava a percorrer o salão e a malhada cantando a qualidade
e o preço inicial da arrematação. “Um bolo de macaxeira que é uma maravilha.
Feito hoje, com coco de mais de um coqueiro, no forno a lenha, vale mais que
esse preço. Quem dá mais, quem dá mais?”.
Antigos leilões sortidos de tudo aquilo tão
próprio do sertão: galinha de capoeira, capão, cabrito, bolos, doces, garrafas
de cachaça, bebidas destiladas, caldeirões de mungunzá e arroz doce, cocada da
marrom e da branca, sela, chocalho, sapato de couro cru, queijo, manteiga em
garrafa, e muito mais. Mas também sabonetes, perfumes baratos, goiabada, prato
e copo.
O leiloeiro, mais conhecido como corredor
(aquele que faz o leilão correr), deve ter um dom especial para anunciar e
vender os produtos. Não é qualquer um que sabe correr leilão. Precisa ser
alegre, de boa voz, piadista, poeta e conhecido na região. E com uma técnica
tão especial que permite dobrar o preço com poucas palavras. Instiga o desafio
entre compradores e a cada lance dado chama o outro a colocar mais dinheiro por
cima.
“Vixe Maria que a coisa tá ficando boa.
Rosendinho ofereceu dez conto nesse Cinzano. Mas é pouco, é muito pouco. Olhe
ali, Jeremias aumentando pra doze. Rosendinho já diz que dá quinze. E aí
Jeremias, vai aceitar a desfeita? Vinte, vinte conto, Bastião levantou a mão
ali. Tá em vinte, quem dá mais, quem dá mais? Bastião parece que vai passar a
perna nos cabras. Rosendinho se enraiveceu e já ofereceu trinta no Cinzano. E
agora, e agora, vou mandar bater o martelo? Bastião virou num bicho, danou-se,
já tá apontando trinta e dois. E Bastião vai levar. E dou-lhe uma, e dou-lhe
duas, e dou-lhe... Vendido!”.
Os tempos são outros, mas os leilões
permanecem vivos na região sertaneja. Não mais com aquela feição matuta de
antigamente nem ao som da sanfona (ainda que se encontre leilão acompanhado
pela sanfona, zabumba, triângulo e cantador), mas com o mesmo entusiasmo dos
participantes. As prendas também se modernizaram, não sendo raros objetos até
de informática.
Além disso, o que se observa é que em muitas
situações o leilão se transformou num negócio rentável, sempre de bom retorno
para o organizador. Se antigamente havia muito mais prazer do que intuito
lucrativo na festança, agora não passa de um meio de lucratividade. Ora, as
prendas, brindes ou presentes, são doados em grande quantidade. Como no leilão
cada produto ou objeto geralmente duplica ou triplica o seu real valor, então
se torna num negócio mais que rentável. Além do fato de que quem faz o leilão é
também quem comercializa as bebidas e os tira-gostos.
Contudo, não deixa de ser uma tradição que
permanece viva e com grande número de participantes. Após a música eletrônica
parar e o leiloeiro começar a correr o primeiro produto, então as pessoas se
empolgam e querem mostrar que têm dinheiro. E assim, no quem dá mais, quem dá
mais, aquilo que na cidade não vale mais que dez reais ali é arrematado por
trinta ou quarenta. Tudo em nome da tradição.
Ontem mesmo, aqui no sertão onde nasci e sou
visitante habitual, presenciei a realização de leilão. Nada arrematei. Apenas
observei para escrever estas linhas.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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