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domingo, 21 de março de 2010

47 ANOS, O MENINO BRINCANDO E O ESPELHO (Crônica)

47 ANOS, O MENINO BRINCANDO E O ESPELHO

Rangel Alves da Costa


Consta de minha certidão de nascimento que vim ao mundo às 9:00 horas do dia 16 de março de 1963. Hoje, consequentemente, faço aniversário, completo 47 anos. Saído do ventre de minha mãe e entrando no ventre da vida. Garanto que no calorzinho da barriga da saudosa sertaneja era bem melhor.
Quando nasci fizeram uma coisa feia comigo, pois disseram que a vida não era brincadeira. Mas como não é brincadeira se a criança para aprender tem que brincar? A partir daí tentei levar a vida a sério, mas ela insistiu e insiste em fazer brincadeiras comigo.
Como não sou de brincadeiras, avisei a vida que só queria viver, só isso. E ela disse que já que eu queria assim, que me responsabilizasse sozinho pelos meus atos a partir daquele momento. Com tal responsabilidade, o que fiz foi brincar com a vida. Dei o troco.
Brincar porque acho que sei jogar a bola sem acertar ou ferir o próximo; sei brincar de esconder sem fugir de nada ou de ninguém; sei caçar passarinho sem destruir o meio ambiente, a natureza, os caminhos por onde cotidianamente passo; sei catar frutas no quintal sem levar o que é dos outros, furtar, roubar, me apropriar indevidamente; sei soltar pipas sem tirar os olhos do que está ao redor, ameaçando, procurando gratuitamente fazer o mal; sei pintar e desenhar no papel a lua e o sol, mas também as noites e as tempestades de cada dia; sei gostar de docinhos, mas muito mais das dietas; penso que sei, na medida que a vida me deixa brincar.
Dizem que cresci, que estou gente grande, quando se diz de quem só tem tamanho. Não acredito que tenha sido assim, pois a cada novo dia me vejo como ontem, a mesma pessoa de sempre, portanto ainda criança brincalhona. Não sei por que, mas as pessoas deviam mesmo eram viver suas vidas e deixar de mentir, de inventar, de dizer que enxergaram rugas se formando pelo rosto, viram alguns fios de cabelos brancos aparecendo, sentiram marcas do tempo em mim. Digo que é a mentira mais deslavada, pois o meu espelho nunca olhou pra mim e disse que era preciso eu me enxergar melhor e deixar de ser criança.
Ele sim, o meu espelho, que vejo estar envelhecendo, amarelando o sorriso, se comportando com ares de solitário, ficando mais triste e com um olhar menos brilhante e vazio. Já disse a ele para tomar cuidados, para deixar de brincadeiras e cuidar mais da aparência, da saúde, das escolhas que faz e das brincadeiras que insiste em brincar. Mas ele é teimoso, sempre teima, e fica lá impassível, indiferente, procurando somente refletir a vida que passa.
Gosto muito desse espelho, pois é o meu espelho e gosto de tudo que tenho. Jamais pensei a sério em vê-lo se quebrar, cair da parede da vida. Mas se um dia o destino disser que mais cedo ou mais tarde os espelhos tem que apagar, quebrar, sumir, não saberei dizer da dor que sentirei ao não mais vê-lo e nem me ver ali espelhado. Como posso saber o que senti se não posso mais ver minha face espelhada?
Talvez os outros digam que o espelho não se quebrou, mas foi um menino brincalhão que brincou com o espelho e ele se partiu.



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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