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sexta-feira, 12 de março de 2010

O BOM EGOÍSMO (Crônica)

O BOM EGOÍSMO

Rangel Alves da Costa*


Desde que tive um problema de saúde no final de 2008, quando fiquei em estado de coma induzido por treze dias, passei a enxergar o mundo sob outras nuances e a me perceber sob outros matizes. Mundo, vasto mundo, como qualquer coisa imensa e uniforme morreu. Mundo agora é vivo de significações em tudo. E eu felizmente não morri, e por isso mesmo passei a ter o compromisso comigo mesmo de ser um bom egoísta.
Ora, mas existirá alguma virtude em alguém que se proclama egoísta? Calma. Explico. É que existem egoísmos e egoísmos, do mesmo modo que existem pessoas e pessoas. De forma corriqueira, negativamente definem o egoísmo como sendo o sentimento ou maneira de ser dos indivíduos que só se preocupam com os interesses próprios, com o que lhes diz respeito; o apego exagerado ao próprio eu, que resulta em desconsideração pelos interesses dos outros; enfim, seria o hábito ou a atitude de uma pessoa colocar seus interesses, opiniões, desejos, necessidades em primeiro lugar, em detrimento (ou não) do ambiente e das demais pessoas com que se relaciona. Contudo, por outro lado, invertendo-se os pontos de vista, o egoísmo pode ser visto como a preocupação com os próprios interesses, como a preocupação do indvíduo em valorizar, mesmo que exageradamente, aquilo que lhe diz respeito.
Só pensa em si mesmo, é o que dizem com relação ao egoísta. Mas isso é bom ou ruim? Ora considerando-se que a preocupação do indivíduo consigo mesmo cabe a ele próprio e não a outros, que as demais pessoas procuram muito mais invejar do que ver as qualidades do indivíduo, logicamente que o egoísmo se transforma em uma forma de autoproteção, de autovalorização e de reconhecimento da própria capacidade. Se isso não partir para as raias do exagero e do mero desmerecimento e desvalorização de tudo que diga respeito ao outro, sem dúvidas que é uma coisa boa.
É uma coisa boa porque, mesmo que muitos pensem diferente, cada um deve. necessariamente, priorizar a si próprio. Por isso mesmo é que me considero um bom egoísta, um virtuoso egoísta. Caberá, pois, a mim, valorizar o que sou, o que tenho, o que faço e o que poderei fazer. Cabe única e exclusivamente à minha pessoa não querer agradar aos outros me rebaixando para ser bonzinho e humilde, me descaracterizando no melhor que tenho e que sou simplesmente porque os outros não possuem as minhas qualidades, me fazendo passar por pouco, por pobre coitado, porque os outros não lutam para ser como sou. E o que sou? Apenas uma pessoa que gosta de si mesmo e que pretende preservar esse amor para sempre. Faço algo demais?
Por ser assim, de pouca valia será que digam que sou feio ou bonito, preto ou branco, gordo ou esbelto, inteligente ou ignorante, bom ou ruim. Nada disso jamais importará, pois os meus conceitos e definições sobre minha pessoa já estão enraizados no dicionário da minha consciência, do meu coração e do meu ser inteiro. Sou exatamente como aquele poema de Fernando Pessoa que diz que o rio que passa pela aldeia dele é o mais bonito porque é o rio que passa pela aldeia dele. Isto é o que sou: o maior rio do mundo porque sou o rio que me banha, me sustenta e mata a minha sede.
Um dia sonhei em ser o melhor; se ainda não sou o melhor, um dia serei, pois é assim que desejo e ninguém poderá dizer que não. Um dia morrerei, sei, mas mesmo assim continuarei sendo o melhor por aquilo que posso deixar. Daqui a mil anos alguém estará lendo essa crônica e julgando o que eu disse hoje. Ora, se posso ser o mais, por que me contentaria em ser o menos?
À minha frente, na parede do meu escritório, olho e vejo quadros a óleo e desenhos, todos pintados por mim. São lindos, como são os poemas, os artigos, as crônicas, os contos, os livros e as petições que escrevo. Os pratos que apronto também são lindos e deliciosos. E experimento tudo isso como se experimenta a vida em toda sua essência, com o prazer que se tem de saborear com orgulho tudo o que é produzido com amor e dedicação.
Haverá alguém que diga que me falta humildade. Realmente. Apenas digo que faltava, mas não me falta mais, pois sou também a pessoa mais humilde do mundo. Basta querer me conhecer.



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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