A MOCINHA E A SOLTEIRONA
Rangel Alves da Costa*
Já era mocinha, bonita, faceira, em idade de se casar. No interior se casa cedo, principalmente quando a jovem era realmente de uma beleza sertaneja sem igual, de pele morena clara aveludada, boca desenhada e ainda inocente do beijo, cabelos negros escorregando pelas costas, rosto perfeito, singelo, de sublime feição.
Marina minha linda, você bonita como é, no frescor da idade de mulher, cheia de pretendentes por aí, e ainda nem pensou em casar, nem namorado essa menina tem. Mocinhas também devem ter os olhos para o amor, enxergar o que acha bonito, desejar se aproximar, sonhar com o amor pretendido, flertar, paquerar, namorar, beijar, se apaixonar, casar.
Mocinhas não devem ser como você Marina, pois corre o risco de querer amar tarde demais, não encontrar o que quer e ficar moça velha, ficar pra titia, como dizem no interior. E quem fica pra titia é sempre chata, fofoqueira e vive botando defeito em tudo que é homem das outras. Não teve e não tem, o contentamento na vida é só ficar horas e horas diante do espelho enchendo a cara de pó e ir pra janela ver e falar mal da vida dos outros.
Existia uma dessas moças velhas onde Marina morava, e logo no mesmo quarteirão da casa dela. Quando o povo dizia que já era mais que tempo de Marina namorar e casar, essa solteirona chata logo se intrometia para defender a solteirice:
"Mas ora, que mal faz a mocinha nem pensar em namorar? Eu mesma não vejo nenhum bicho de sete cabeças nisso, até conheço gente que nunca namorou nem casou e vive mais feliz do que umas e outras que só tem anel no dedo, mas casamento que é bom há muito que foi pro beleléu. E não falo de mim não, pois me considero uma recatada viúva do amor. Por isso é que Marininha tem razão. E casar pra que, se a safadeza como anda o homem nem quer mais namorar e já vai pros finalmente? Conheço uma, aqui mesmo dessa rua que..., mas deixa pra lá, porque senão dizem que sou faladeira. Mas insisto que Marininha tem razão, pois como o bondoso finado Padre Gregório dizia: a mulher tem de ir para os braços do Senhor como veio ao mundo, pura. Eu já estou garantida".
Não satisfeita em defender suas opiniões perante os outros, essa solteirona, titia ou moça velha, como dizem, resolveu procurar a própria mocinha para ler junto a ela um recorte de uma velha revista intitulado "Como viver bem se você não tem com quem". E Marininha, como ela chamava, foi logo cortando seu barato, passando na cara:
"Respeito muito a senhora, sei de sua seriedade e preocupação, mas não estou muito interessada nisso não, pois no momento estou muito mais preocupada no meu lindo amor, no meu príncipe encantado e encantador que deve chegar em breve..."
Ao ouvir isso a solteirona quase dá um chilique, começou a suar frio e a se abanar: "Amor..., lindo..., breve..., foi isso que você falou?".
"Isso mesmo o que a senhora ouviu e o que eu disse, e eu disse que estou muito mais preocupada com o meu lindo amor que chegará em breve. Não conheço ele ainda não, mas pelos meus sonhos ele é alto, lindo, educado, parecendo galã de novela e que toda mocinha sonha em namorar. Ele virá pra cá num cavalo bonito, numa tarde bonita, com o vento levinho soprando no cabelo dele, com as plantas e os animais todos alegres ao redor e me colocará na garupa do alazão todo branquinho e iremos passear pela natureza verdejante, colher as mais belas flores do campo, andar por aí de mãos dadas e tomar banho juntinhos na cachoeira. A senhora vai ver quando ele vier e quem sabe se não será amanhã?".
A solteirona deu meia volta e saiu se benzendo: "Enlouqueceu a bichinha, e de pedra. Isso é pra mostrar a falta que um bom macho faz na gente", falou consigo mesma a titia, sem perceber realmente a dimensão do que tinha dito. Mais adiante parou assustada lembrando de suas palavras. Começou a se abanar e disse: "É isso mesmo, e que falta me faz o Padre Gregório, pois aquilo era que era homem lá no fundo da sacristia".
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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