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domingo, 21 de março de 2010

NO REINO DO REI MENINO – XLIII

NO REINO DO REI MENINO – XLIII

Rangel Alves da Costa*


No exato instante em que o rapaz fazia menção para entregar o embrulho ao menino rei, Bernal soltou um espantoso grito, desviando a atenção de todos:
- Majestade, majestade afaste-se daí imediatamente e nem ouse tocar nesse objeto, seja lá o que for. Se veio de Edravoc não pode conter coisa boa, devendo estar carregado de coisas ruins, de espíritos ruins, de feitiçaria, das maldições da magia negra. Afaste-se daí já e deixe que eu me encarrego de receber e verificar o que tem dentro desse embrulho. Entregue-me rapaz. Você foi muito corajoso em estar andando com isso aqui, sem saber bem o que é e o seu significado, mas não torne a fazer o mesmo outra vez, pois poderá ser tarde demais. Até que você deu sorte. Quem sabe não poderia essa hora estar transformado numa cobra de dez cabeças, num jacaré-lagartixa ou numa lagartixa-elefante ou coisa parecida... – Falava todo agitado o feiticeiro, segurando o embrulho e se dirigindo até um dos cantos da sala para abri-lo.
Se num instante atrás o rapaz estava tremendo dos pés a cabeça, com medo da reação de Gustavo ao se deparar com a mecha do cabelo de sua mãe ali embrulhada, agora, diante da reação espalhafatosa de Bernal, não sabia se continuava relatando a sua viagem ou danava-se a gargalhar. Assim que resolveu repassar o restante das informações ao rei, começou a ver uma cena mais que inusitada.
No canto da sala, depois de fazer alguns gestos da magia e cuidadosamente ir abrindo o embrulho, ao observar que ali estava uma porção de cabelo alourado e aquela mecha não poderia ser de outra pessoa senão da mãe de Gustavo, o feiticeiro do bem perdeu totalmente a cor, quis gritar sem sair voz alguma, começou a suar frio e a sacudir o corpo inteiro e acabou desmaiando.
O menino rei, que não viu nada disso porque estava de costas para o feiticeiro, quando foi alertado pelo rapaz sobre o acontecido, virou-se rapidamente e gritou chamando os empregados do castelo:
- Acudam aqui que Bernal teve algum surto e acabou desmaiando. Tragam o óleo de cânfora e outros extratos aromáticos, tragam também um bom copo de vinho para fazer com que ele engula – E falando para o enviado – Mas o que foi isso mesmo, hein? Já sei, só pode ter sido aquele embrulho que ainda está na sua mão. Deixe-me ir até lá para tirar a limpo essa história de uma vez por todas.
Bernal, que já estava abrindo os olhos e se recuperando, assim que viu o menino rei puxar o embrulho de sua mão desfaleceu novamente. O rapaz tentou convencer Gustavo a não olhar o conteúdo, mas não teve jeito. "Se existe uma coisa que eu não tenho medo é de feitiçaria. Vamos ver o que tem aqui...", e colocou a mão dentro do embrulho e puxou aquela mecha alourada de cabelos. Quem estava quase dando um troço era o rapaz, que não sabia mais o que fazer e muito menos explicar aquilo ao menino.
- Mas olha, são cabelos e são louros como os da minha mãe, só que os dela não são assim tão estragados. De quem são esses fios que saíram de uma cabeça e vieram parar aqui e principalmente por que vieram parar aqui? – Perguntou ao coitado do rapaz, que naquele momento desejava mesmo era voar pela janela ou afundar chão abaixo.
- Ora majestade, lembra que eu fui até aquele reino também com a incumbência de saber quem era a segunda pessoa mais importante de lá? Pois bem, encontrei essa pessoa e se trata de uma mulher, e para que mais tarde vossa majestade acreditasse no que eu estaria dizendo é que implorei a ela que me concedesse como prova alguns fios dos seus louros cabelos, e eis que aí estão neste embrulho, graças a bondade daquela velha senhora – O rapaz procurou de qualquer forma dar um jeito naquela situação, arrumar uma desculpa, de modo que o menino não pudesse cismar que aqueles cabelos eram realmente de sua mãe. Estava tentando se sair, mas não estava fácil não.
- Você disse uma velha senhora? Mas o que é que tem a ver uma velha senhora com esses cabelos que estão aqui, pois ao que me parece esses fios louros, mesmo estragados, não são de uma pessoa tão velha assim não. Ademais... – E o rei teve que ser interrompido pelo aflitivo rapaz, que quase não estava mais suportando aquela pressão.
- Desculpe majestade, mas veja que são cabelos louros e cabelos dessa cor não embranquecem tão facilmente não, principalmente quando a dona destes cabelos é uma pessoa que não faz muito tempo vivia nos luxos dos palácios, nos cremes e nos cuidados. E vou dizer logo tudo, para que a minha missão seja logo inteiramente relatada: a dona desses cabelos é a mãe do rei de Edravoc, o maldito baixinho Otnejon. Ela, como vossa majestade queria saber, é a segunda pessoa mais importante daquele reino – Mentiu, e mentiu tanto com relação à dona dos cabelos, que parecia extasiado dizendo a mais pura verdade, aliviado por ter modificado os fatos segundo achou mais coerente para a ocasião.
Tendo ouvido isso Gustavo largou o embrulho e arrastou o rapaz para onde estavam antes. "Me fale tudo, mas tudo mesmo sobre essa mulher". E o rapaz contou fielmente toda aquela passagem junto com a senhora abandonada pelo filho poderoso. Os olhos do menino brilharam de tal modo e a sua pele ficou tão avermelhada de emoção que quase sua voz não sai. Mas o rapaz ainda conseguiu ouvir bem quando ele disse:
- Vou trazer essa senhora para cá. Ele está com minha mãe e eu estarei com a mãe dele, só que de um jeito diferente.


continua...



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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