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domingo, 21 de março de 2010

A CONTADORA DE ESTÓRIAS (Crônica)

A CONTADORA DE ESTÓRIAS

Rangel Alves da Costa*


Era uma vez uma contadora de estórias, que gostava muito mais de contar estórias do que histórias. Gostava de contar estórias porque podia aumentar, diminuir, reinventar, redimensionar e mudar o contexto e o final do que estava contando. É diferente na história, que tem herois muito certinhos e muitas mentiras que tem de dizer que são verdades. E também na história não se pode dizer "e foram felizes para sempre...", principalmente porque todos sabem que ela é marcada pela dor e não pela felicidade.
O nome da contadora de estórias era Marina, uma graça de pessoa que parecia não saber fazer outra coisa na vida do que contar fábulas, lendas, causos, contos. O pensamento dela vivia povoado pelo saci-pererê, pela mãe-d'água, pela boiúna, pelo patinho feio e o outro patinho que só tinha um olho e uma perna, pelo menino que era rei, pelo rei caçador e a rainha que virou caça, pela bruxinha que era boa, pelo fantasminha camarada, pelo menino que voava e a menina que pensava que era flor, pelo bicho-papão e outros seres fantásticos. Ficava triste quando tinha que narrar um final que não era feliz. Certa vez teve que ser consolada porque a rosa caiu do galho e morreu.
A contadora de estórias não contava as aventuras pra qualquer um não. Tinha que ser criança, estar na escola estudando ou fazendo tratamento de saúde em algum hospital e prestar bastante atenção no que ela contava. Cismou que tinha de ser assim porque certa feita um pai de aluno foi reclamar dela porque o seu filho chegou em casa e foi contar a estória de João e o Pé de Feijão, só que trocou o feijão pela melancia e o menino nunca chegava ao final porque a melancia nunca crescia. Outra vez foi uma mãe, que chegou na escola desesperada porque sua filhinha disse que não ia dormir porque estava com medo da estória que a contadora narrou sobre o fantasminha da cara amarrada. Até que fosse explicado a ela que o fantasminha era camarada e não tinha cara amarrada foi uma perda de tempo.
Contava estórias para crianças pobres, em escolas de comunidades carentes, em locais distantes, onde só ia mesmo quem tinha realmente o que fazer ou uma boa estória pra contar. Contava estórias para garotinhos e garotinhas internados em hospitais, principalmente para aquelas com problemas oncológicos. Contudo, em cada escola ou hospital logo se tornou amiga e confidente da criançada.
Chamavam ela num canto e reclamavam porque ainda não deram uma cadeira de rodas ao saci, porque o bicho-papão queria comer outras coisas e não comia papa, porque o cavalinho da estória era azul e ela nunca tinha visto um cavalo daquela cor, porque a mula-sem-cabeça botava fogo pelo nariz se não tinha cabeça. Assim, era um mundo de encantamentos e descobertas, de pura fantasia como são as estórias que contava. Para ela, entretanto, as descobertas eram outras: era a imensa felicidade em proporcionar instantes de felicidade àquelas crianças.
Um dia, porém, Marina, a moça contadora de estórias chegou na escola, no horário previsto reuniu o grupo de crianças e matutou sobre o que iria narrar naquele dia. Pensou e pensou e um verdadeiro branco se fez em sua mente. Estava triste, sabia, mas os problemas eram particulares e não poderiam interferir no seu prazer em contar estórias. Colocou sobre si uma falsa alegria, tentou contar uma estória qualquer, mas não teve jeito, não saía nada. E para aumentar sua tristeza, foi a primeira vez que deixou de contar uma estória para as animadas crianças. No segundo dia, prometeu a si mesmo que aquilo não se repetiria, mesmo assim não conseguiu contar estória alguma. O pior é que chorou em frente aos seus amiguinhos.
No terceiro dia, já com vergonha de seus pequenos ouvintes, levou uma estória escrita numa folha de papel. Assim não teria jeito de esquecer. Mas quando se reuniu com todos foi surpreendida por uma menininha que se levantou, pediu licença e disse: "Professora, hoje quem vai contar uma estória sou eu, e ela é curtinha mas diz mais ou menos assim: era uma vez uma amiga muito boa que contava estórias, mas de repente deixou de contar estórias porque ela também tinha uma estória que lhe deixava muito triste, mas como não contava a ninguém que estória era essa, continuava triste e sem saber contar outras estórias. Até que um dia ela contou sua estória triste aos seus amiguinhos, que ouviram com carinho e depois disseram a ela como resolver seu problema"
- E o que foi que disseram a ela...? – Perguntou Marina assustada.
- Disseram a ela que transformasse sua estória triste numa estória de brincadeira, pra ser feliz para sempre...



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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