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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 1 de março de 2010

UMA INESPERADA VISITA (Crônica)

UMA INESPERADA VISITA

Rangel Alves da Costa*


Um amigo meu, falecido há alguns anos atrás, e coincidentemente que andava sumido por esse mesmo período, me apareceu outro dia para fazer uma visita. Quase não o reconheci, de tão pálido que estava e com um aspecto lúgubre de assustar. Mas na última vez que o vi também estava assim, só que um pouquinho mais corado. Parecia que o tempo não havia passado para ele, assemelhando-se mais a alguém que fica fechado numa redoma ou coisa parecida por muitos anos e quando sai apresenta aquela cor embranquecida dos defuntos mal-resolvidos.
Chegou numa hora inesperada, pois já passava da meia noite. Devo ter deixado a porta aberta, pois nem ouvi a campainha tocar e quando percebi esse meu amigo já estava dentro de casa e o que é pior, na varanda onde armo minha rede e dou os primeiros cochilos.
Pra não ser mal educado, nada comentei sobre a sua entrada na casa de modo tão deselegante, apenas sentei na rede e pedi para que sentasse numa cadeira próxima. Ele se recusou a sentar e disse que preferia ficar de pé, pois estava cansado de estar o tempo todo deitado. Eu não quis entrar em maiores detalhes sobre isso, mas ia percebendo uma coisa nele que era por demais estranho e que nunca havia visto em outros indivíduos que conheço. Fato é que ele parecia querer evaporar a qualquer instante, pois a sua imagem ora ficava mais nítida ora quase sumia. Fiquei martelando com isso.
Perguntei se queria um pouco de água, e ele respondeu que sua sede era somente de descansar a alma. Perguntei se preferia que eu acendesse outra lâmpada para iluminar mais a varanda, e ele disse que se contentaria apenas com uma vela acesa. Perguntei se gostaria que eu colocasse algum tipo de música para animar mais o ambiente, e ele disse que agradeceria apenas uma oração. Será que agora faz parte de uma dessas igrejas que se espalham por aí, pensei. E assim fui perguntando se queria isso ou aquilo e ele sempre respondendo que preferia outra coisa que não estava ao alcance naquele momento.
Decidi então ir ao ponto nevrálgico da questão e perguntei o que, afinal, ele pretendia com aquela visita naquela hora e naquelas circunstâncias. E ele disse que estava prestes a viajar e estava esperando somente o momento da chegada da passagem para embarcar, mas havia ganhado duas passagens para lugares diferentes e estava em dúvida qual o destino que escolheria.
Não tive nenhuma dúvida e imediatamente perguntei quais seria estes lugares. E ele afirmou que não poderia dizer os nomes, mas apenas dar algumas indicações de como seriam eles. E falou detalhadamente sobre os dois lugares e ao final disse ainda que no primeiro deles havia uma grande comemoração esperando sua chegada, com foguetórios, fogueiras acesas, muito barulho e muitas surpresas, enquanto que no segundo ele mesmo teria que levar consigo a paz que queria viver eternamente.
Não suportei o relato e chorei com pena da ingenuidade do meu amigo. Então, com as mãos em gesto de oração eu disse:
- Vá onde possa viver eternamente em paz, e leve consigo o descanso de sua alma, essa vela que acendo e essa oração que faço agora.


Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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