NO REINO DO REI MENINO –XXIX
Rangel Alves da Costa*
Aquelas duas figuras de assustar que estavam de cabeça para baixo na entrada da gruta não passavam de dois duendes espiões. Não estavam ali por acaso, fugindo da chuva da noite ou coisa parecida, mas sim cumprindo uma missão difícil de ser realizada por simples mortais que não conheçam os segredos e os perigos dos caminhos escondidos e das florestas. Foram notados por Lucius por um descuido, pois há muito tempo que estavam invisíveis próximo aos dois, desde o instante que saíram dos muros do castelo do rei mal-afamado e adentraram nas matas.
Contudo, estavam ali cumprindo uma missão não porque foram enviados por um duende de hierarquia superior ou por algum humano que tivesse acesso ao reino dos pequeninos orelhudos, mas sim pela amizade que tinham com Bernal. Este havia conversado com eles sobre a situação dos pais de seu amigo Gustavo, afirmando onde estavam e o que de pior poderia ocorrer com eles.
Após esse diálogo inusitado, vez que só conversavam sobre magias e encantamentos, os dois resolveram passear pelo Reino de Edravoc e verificar de perto aquela situação. Porém sem ninguém saber, nem Bernal nem os seus companheiros da floresta. Pretendiam somente ver como estavam os pais do garoto, já que também aprenderam a gostar daquele pequeno rei. Mas à noite, quando já iam ultrapassando os muros do castelo, se depararam com as duas atormentadas figuras em fuga. Só poderiam ser eles, logo imaginaram. E não deu outra.
Caminhando ora atrás ora ao lado deles, sem fazer qualquer tipo de barulho, só não pediram para ajudar no carregamento dos objetos para não serem descobertos. Talvez fosse melhor assim, pois mais tarde poderiam ajudar quando houvesse uma necessidade bem maior. Pensaram ainda em fazer alguma traquinagem para amedrontar os perseguidores, em fazer os cães desaparecerem, em fazer seguirem até a morada das mil cobras peçonhentas. Naquela escuridão, com aquela chuva toda, poderiam fazer o quisessem. Mas não, sabiam que o casal por enquanto não seria descoberto, e então acharam melhor ficar ali na gruta perto dele.
Assim que Lucius avistou-os quase cai para trás de susto, enquanto que os dois deram um salto e num instante ficaram em pé na entrada da gruta. Dessa vez Lize, que acabava de acordar, não suportou aquela visão e deu um horrendo grito. E os duendes correram em sua direção fazendo o sinal para ficar em silêncio, avisando que estavam ali para fazer o bem e que, portanto, se acalmasse. Em seguida explicaram quem eram e pediram que ouvissem os motivos de estarem ali, relatando tudo desde o início. Quando falaram no nome de Gustavo perceberam Lize modificar sua feição, entristecer mais ainda e lacrimejar. Perguntou como estaria ele e responderam que muito melhor do que se poderia esperar de um menino naquela idade e com a responsabilidade que tinha. Mas também não disseram mais que isso.
Os duendes perguntaram a Lucius o que pretendia fazer agora, vez que certamente Otnejon e os seus homens voltariam a vasculhar toda aquela região durante a manhã. O ex-soberano de Oninem respondeu que partiriam naquele exato momento, sem destino certo, mas teriam que partir em defesa de suas vidas e dos bens preciosos que levavam consigo. Foi então que um dos duendes interferiu nas palavras de Lucius para opinar:
- A chuva ainda não foi embora de vez, os terrenos estão difíceis de caminhar e muitas partes estão completamente alagadas. É impossível que fujam com rapidez com esse peso todo sobre as costas. Sei que tem de levar essas coisas a todo custo, mas também é uma questão de escolher entre fugir sem esses objetos ou serem presos a qualquer instante. Sei que é uma difícil escolha, mas talvez também seja uma questão de vida ou morte. Quer dizer, ou largam, deixam essas coisas, ou são surpreendidos a qualquer instante por aqueles carrascos, que agora devem aparecer com mais fúria ainda...
O outro não deixou nem o amigo terminar o que dizia e falou:
- Tenho uma solução emergencial para o caso. Vamos procurar agora mesmo um local para esconder toda essa bagagem. A gente esconde bem escondinho, marca na cabeça onde ela ficou protegida e em segurança e daqui há algum tempo você voltará – Referindo-se a Lucius - junto com outras pessoas e resgatará tudo que foi deixado. Acho a melhor solução, mas...
A duras penas Lucius teve que aceitar essa proposta. Imediatamente saíram para procurar um esconderijo ideal, fato que foi facilitado porque os duendes já conheciam tudo por ali. Assim, o levaram até um local que serviria bem para aquele propósito. Era uma grande abertura num rochedo, de difícil acesso e povoada por animais desconhecidos e talvez perigosos. Entraram com cuidado, mas tudo estava calmo, sem apresentar qualquer incidente. Cavaram um grande buraco na terra, foram buscar os objetos, colocaram tudo cuidadosamente ali, depois cobriram novamente o buraco com terra, folhas e galhos e deixaram o local como se não houvesse nada acontecido.
A chuva que voltou a cair ajudava a não deixar rastros por onde passavam e isso impediria que os perseguidores soubessem que tinham ido até aquele rochedo. Os cães também não tinham como farejar por ali. Assim, meia hora após já estavam distantes de onde deixaram escondido o tesouro. Foi quando ouviram novamente os cães latindo e um murmurejar distante de vozes, quase verdadeiros gritos.
Tentaram correr, porém Lize caiu numa poça d'água. Não houve jeito, não puderam fazer nada. Foram alcançados por Otnejon e seus homens.
continua...
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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