SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 1 de março de 2010

BELINHA BELA NA JANELA (Crônica)

BELINHA BELA NA JANELA

Rangel Alves da Costa*


Ainda lembro dos finais de tardes sertanejos e daquela linda mocinha na sua janela. O mundo podia estar feio ou bonito, horizonte trazendo ventania ou brisa, calor ou ar refrescante, tempo firme ou chuvoso, podia estar a natureza de qualquer jeito e lá estava Belinha, sempre bela na janela, com flor no cabelo, vestido de chita limpinho e enfeitado com bordados, rosto de suave e meiga pintura própria, lábios levemente pintados de vermelho esperança, cabelo solto e esvoaçante, porém com um olhar distante e triste, sempre triste.
Belinha tinha lá os seus dezesseis anos, mas pela face juvenil parecia ter bem menos. Era filha única de pais pobres e trabalhadores, desses sertanejos cujas vidas não são vividas, mas sim curtidas como couro embaixo do sol. Já eram dois velhos aos quarenta anos. O ciúme que tinham dessa filha única era tanto que faziam com que ela se trancasse no quarto quando chegava alguma visita na casa. Se o visitante fosse estranho, nem na casa este poderia entrar.
Belinha sabia que seus pais só retornavam dos seus afazeres já escurecendo, por isso mesmo é que aproveitava as tardes para viver sua vida e os seus sonhos na janela. Quem dera poder sair, passear, caminhar, correr, pular, sentar no banco da praça, ser como as outras pessoas, olhar de perto e sentir os outros, tomar sorvete, comprar pipoca, experimentar algodão doce (ouviu dizer que era doce o algodão doce, o que aumentava ainda mais a sua vontade de experimentar), conversar com um rapaz, quem dera. Mas não, pelo desejo matuto de seus pais, Belinha deveria se guardar com pureza por toda sua vida.
Na casa de Belinha não havia televisão, que era pra ela não ser influenciada pelas safadezas das novelas; não havia rádio, que era pra não ouvir música que falasse sobre amor e paixão; não havia mais de uma chave nas portas, que era pra ela não sair de casa enquanto os seus pais estavam ausentes; não havia alegria na casa de Belinha. Mas Belinha não era triste, só se sentia sozinha. E por que Belinha não era triste? Porque todas as tardes o coração se enchia de alegria ao ficar na janela esperando seu grande amor passar, ou ao menos avistá-lo.
Belinha amava e amava demais, tinha certeza disso. Nunca tinha ouvido falar sobre o amor, nunca lhe disseram nada como é amar, nem ousaram lhe dizer o que é ter prazer no amor e na paixão. Mas ela sabia que tinha esse sentimento porque passava o dia ansiosa esperando o entardecer, porque sentia o coração acelerado quando lembrava da janela, porque sentia um friozinho por dentro e um calorzinho por fora quando chegava o momento de debruçar-se sobre o peitoril da janela. Contudo, essa ânsia e esse desejo de ficar logo ali não duravam mais que dois minutos depois que chegava, pois os seus olhos começavam a entristecer, vagando perdidamente pelas distâncias. Não avistava o seu amor.
Belinha um dia avistou o seu amor ao longe, sabia que era ele, tinha certeza. Sentiu vontade de pular a janela, de voar, de correr até ele e olhar ao menos por um minuto nos seus olhos. Bastava um minuto para que ele sentisse toda a expressão de amor existente nela. Mas ele se foi com as últimas réstias do entardecer. Por isso é que Belinha ficava ali, agora muito mais encorajada para quando avistá-lo dar um grito, acenar ou mesmo pular a janela e correr ao seu encontro. E quando as tardes chegavam e ela, de sua janela, olhava para os lados sem avistá-lo recaía o desânimo, a amargura, a tristeza.
Um dia Belinha sonhou que naquela tarde ele viria. E sonhou muito mais e ficou imensamente feliz. Ao amanhecer, cantou, sorriu, fazia planos, sonhava. O espelho nunca refletiu tanto Belinha como naquele dia. Fez os devidos reparos no vestido mais bonito, passou ferro bem passado e estendeu sobre a cama. A mulher mais bonita do mundo ia ficar ainda mais bonita com ele. E quando chegou o momento de abrir a janela a felicidade espalhava-se por todo aquele ser inocente.
Assim que colocou os braços sobre o parapeito, Belinha linda e bela estendeu a cabeça, olhou para os lados e avistou o seu amor. E ele, como se soubesse que ela estava esperando, veio se aproximando devagar e parou bem à sua frente. Belinha não pôde ver o seu rosto e nem mirar os seus olhos porque os anjos tem uma face de luz. Era um anjo o amor de Belinha. E este anjo arrumou outro amor pra Belinha, que amou pra vida inteira como se fosse aquele amor que estava à sua frente na janela.



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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