SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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sexta-feira, 12 de março de 2010

NO REINO DO REI MENINO – XXXV

NO REINO DO REI MENINO – XXXV

Rangel Alves da Costa*


O sumiço repentino dos pais do pequeno rei das dependências do castelo de Edravoc deixou o mal-afamado Otnejon num estado quase que indescritível. Parecia totalmente enlouquecido, com espasmos de lucidez e de atordoamento. Da desabalada carreira que deu, assim que chegou à pocilga onde estava interrogando o casal antes de acontecer a tempestade do dia anterior, a primeira coisa que fez foi mandar matar os porcos maiores para ter a certeza de que não haviam devorado seus preciosos prisioneiros.
De tão arrebatado que estava, mandou fazer e acender uma enorme fogueira, em pleno dia e à luz do sol, repetindo sempre que era para iluminar melhor os arredores do castelo para ver se encontravam os dois. Vasculhou todos os quartos, salas e outros aposentos, procurou embaixo das camas e dentro dos armários, abriu caixotes e baús, subiu nos telhados, mandou oferecer recompensa para quem desse notícia ou encontrasse o casal fugitivo.
Nesse itinerário, como não tinha mais o que fazer, subiu no telhado da torre e passou a dizer em voz alta: "Meus amiguinhos, digam onde vocês estão, digam. Estão brincando de se esconder é? Então digam onde estão que eu também quero brincar de me esconder com vocês. Ou querem almoçar? Vamos almoçar que eu também estou com fome. Venham logo meus amiguinhos". E começava a chorar copiosamente, parecendo criança que se perde dos pais.
Preocupado com aquele comportamento estranho do seu rei, mas ao mesmo tempo temendo que num daqueles surtos ele voltasse sua loucura para os guardas, fazendo o que de pior alguém poderia imaginar, o chefe da guarda do castelo chamou alguns subordinados para discutir se não era melhor pegar o baixinho de surpresa e acorrentá-lo, antes que fosse tarde demais. Logicamente que tal medida só seria necessária até que ele voltasse ao estado normal, se é que alguma vez ele tenha se caracterizado como normal.
Contudo, antes que qualquer medida fosse tomada um guarda fofoqueiro, desses que bajulam o chefe pensando em ter qualquer miserável recompensa, foi às escondidas e contou ao baixinho enlouquecido sobre o plano que estava sendo urdido contra sua pessoa. E inesperadamente, como não que se transforma em sim, este ficou calmo, alegre, cordial e sorridente com todos os homens que estavam envolvidos nas buscas, desde o mais simples serviçal ao mais graduado comandante da guarda. Sua lucidez aparentava ser tanta que suspendeu as buscas para que descansassem.
O estranho nisso tudo, porém, é que o baixinho mal-afamado não arredava o pé um só instante de pertos dos seus subordinados, não lhe dava as costas e procurava ficar sempre a uma pequena distância onde pudesse observá-los. Mas não demorou muito e num rompante que deu acertou em cheio o pescoço do bajulador com uma pequenina seta envenenada que trazia sempre guardada no bolso. Foi somente o adulador sentir uma fisgada, passar a mão pelo pescoço e cair desacordado para espanto de todos.
- Não toquem um dedo nesse sujeito descarado, deixem ele aí para servir de exemplo de que modo o seu bondoso rei trata aqueles que ultrapassam seus limites. Imagine vocês que essa boca agora arroxeada que vocês estão vendo aí e que minhas cobras haverão de comer, teve a petulância de mentir pra mim e dizer que no meio de vocês existem alguns que queriam me tomar como louco, me pegar à traição, amarrar e fazer não sei mais o quê. Já pensaram se isto fosse mesmo verdade, já pensaram no que eu faria se tivesse algum pingo de verdade nessa mentira toda. Hoje mesmo eu faria uma coisa que nunca fiz e que estou com muita vontade de fazer, que é pegar os traidores, mandar amarrar de cabeça pra baixo e colocar as cobras mais venenosas que tenho passeando pertinho da cabeça deles. Estou com uma vontade danada de fazer isso hoje. E o pior é que o maldito disse o nome de quem estava tramando contra o seu bondoso, justo e querido rei – Falou Otnejon, num misto de contentamento com as palavras e loucura ainda visível nos olhos avermelhados e de brilho estranho.
Nem mesmo terminou de falar e um dos guardas, não se sabe bem os motivos, começou a tremer dos pés a cabeça e caiu desmaiado; outro se contorcia todinho, como se estivesse fazendo esforço para esconder que estava fazendo suas necessidades fisiológicas ali mesmo diante dos amigos; outro começou a gotejar suor, avermelhar o rosto e chorar como se estivesse sido picado por uma cascavel. E teve um que não suportou e saiu em disparada porta afora, na maior carreira do mundo, parecendo que estava fugindo de feras bravas que lhe perseguiam.
Se tivesse com o juízo bom, Otnejon saberia que em parte havia conseguido acabar com aquele plano contra sua pessoa, mas como não estava ordenou que todos fossem imediatamente fazer as buscas nas matas próximas ao castelo. E nunca teve qualquer resultado disso, pois ninguém jamais retornou para dar qualquer notícia sobre os fugitivos. Com medo das loucuras do baixinho, aproveitaram a situação e fugiram por aí sem destino, e até hoje sonham que estão amarrados de cabeça pra baixo e com cobras armadas para dar o bote sobre suas cabeças.
Enquanto isso, dentro dos aposentos do castelo Lucius e Lize continuavam com os seus infindáveis tormentos. Isso mesmo, dentro do castelo de Otnejon, pois não foram encontrados mas continuavam ali.


continua...



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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