SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 6 de março de 2010

CATEDRAL DO SILÊNCIO (Crônica)

CATEDRAL DO SILÊNCIO

Rangel Alves da Costa*


Sem jamais ter interrompido um só dia, todos os dias os sinos da catedral badalavam no horário previsto: seis horas da manhã, meio dia e seis da noite. O tempo passou e ficamos mais velhos seis horas. Não tocava à meia noite, mas sabia que ficamos mais velhos um dia. Um novo dia não iria começar, pois os dias são apenas seqüências de escuridão e de luz, apenas ficaríamos mais velhos um dia, mais um dia, e assim por diante. É assim que passa o tempo, são somados os anos, se faz a idade, tem percurso a vida e a morte.
A catedral da minha aldeia é linda. Ela é aldeia, não tem igreja e sim catedral, porque assim é que quero, é assim que a vejo. São só quatro paredes e um pequeno altar com uma cruz de madeira ao fundo. O Cristo dorme de braços abertos e cabeça voltada para o lado e sempre acorda quando entro na minha imensa e linda catedral.
A minha aldeia tem poucos moradores, por isso mesmo a minha catedral, de portas abertas dia e noite, fica totalmente em silêncio quando entro, mesmo que alguma missa, primeira comunhão ou batizado esteja sendo celebrado; pode estar repleta de beatas e fiéis, mas sempre fica silenciosa quando chego ali com meu coração de fé e minha alma de imensa gratidão.
Gosto de ficar olhando a minha catedral linda, toda majestosa e imponente na parte mais elevada do lugar. Suas torres, de estilo mais renomado que a arquitetura humana já produziu até hoje, vão seguindo em cone rumo ao céu, como querendo tocar no dedo de Deus. Suas portas imensas, cabem tantas almas entrando de uma só vez que se poderia dizer que é largo e bonito o caminho da salvação. Seu interior, ornamentado da mais resistente e bela madeira de lei com motivos do mais puro ouro, dá um exemplo da riqueza que há ali dentro. Seus afrescos e pinturas, obras de pintores geniais, e sua abóbada retratando o firmamento, confirmam que estamos realmente na presença de algo divino. Nada disso existe na minha catedral, mas existe para mim, no meu querer e na minha força de te ver isso tudo na minha pequenina igreja, e é isso que importa.
Gosto de ir à minha catedral ao entardecer. Sento nas suas escadarias e sinto-me entre a presença divina, lá no meu altar, e a criação divina em todas as formas da natureza que se faz vida à minha frente: a despedida do sol, as nuvens passeando, os pássaros entrecortando o horizonte, o verde que esvoaça ao vento, os bichos que fazem sua festa. Quando no meu espírito renova-se a certeza desse poder supremo de Deus e entro na minha catedral é somente para agradecer. Toda a catedral ouve em silêncio minha prece e me sinto importante e feliz.
Gosto de ir à minha catedral noite adentro, de madrugada. Empurro uma das portas na semiescuridão e sinto prazer em ser iluminado pelas centenas de velas que ainda estão acesas nos castiçais antigos. O cheiro de vela acesa lembra nossos pecados sendo derretidos. Sento no meio da catedral e ponho-me a refletir sobre a beleza que é a vida e agradecer a Deus pela presença no mundo que não me pertence. É neste momento que Ele senta ao meu lado coloca sua mão sobre minha mão e diz sempre que faça o bem, tenha fé, ame o próximo como a mim mesmo, que tudo será conseguido. Respondo com uma prece e ele passa a estar por todos os lugares. Sua presença passa ainda a ser mais forte no meu coração.
Outro dia descobri que além da presença de Deus, nunca estou sozinho na minha catedral. Percebi isso quando estava orando de braços abertos e um anjo menino deitou em meus braços. Olhei ao redor e por todos os lados anjos voejavam alegres, sorridentes e brincalhões, com suas brancuras incandescentes e asas que faziam surgir pequenas estrelas pelo ar. Lindo de se ver essa festa de paz na minha catedral.
E um anjo de rosto terno e voo suave veio descendo em minha direção, e após tocar lentamente a ponta de suas asas sobre o meu rosto, disse sem abrir a boca: "Estávamos esperando você para dar um recado. Ele mandou dizer que ama quem silenciosamente ama a sua igreja, mesmo que faça de um pequeno templo uma grande catedral, pois é a prova de que a fé pode transformar tudo. Por isso que também ama você".



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: