SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 6 de março de 2010

NO REINO DO REI MENINO – XXVII

NO REINO DO REI MENINO – XXVII

Rangel Alves da Costa*


Realmente, não foram bons os sinais produzidos na revoltosa água da bacia, cujo significado maior só podia ser conhecido por Bernal. Este, mesmo diante daquela água turva e agitada, podia ver uma seqüência de cenas e imagens que lhe apertavam o coração já carregado de maus presságios quanto às conseqüências que poderiam ter aquelas visões.
Por cerca de três minutos os movimentos da água revelaram a instabilidade da situação envolvendo os pais do pequeno Gustavo, ali atônito e sem poder compreender nada. De repente, parte do líquido transbordou, a torre do castelo pareceu estremecer, relâmpagos e trovões agiram com violência e tudo voltou ao normal. Num segundo tudo voltou à mais perfeita normalidade da noite, como se lá fora apenas a brisa soprasse pelas paragens. Lá dentro, onde os dois estavam, até a água derramada estava completamente enxuta.
Bernal suspirou forte, soltou a mão do garoto e todos procuraram se refazer um pouco daquele transe, daquela verdadeira viagem. O feiticeiro chamou o menino e deram alguns passos até uma mureta da parte externa da torre. Ali no alto, em silêncio, avistavam o que permitia a escuridão e mais próximo enxergavam pequenas luzes que se deslocavam de um lado para outro. Eram as sentinelas enviadas pelos espíritos das florestas, disse o feiticeiro. Em seguida, este, de olhos voltados para o firmamento, começou a relatar as visões ao amigo:
- Pequeno rei e grande homem, não se assuste com o que vou dizer, pois tudo na vida pode ser modificado através da nossa ação. Contudo, pelo que pude observar com o auxílio dos espíritos, a situação não anda nada boa para os seus pais naquele reino onde eles estão. Senti como estivessem agoniados, desesperados, procurando a todo custo sair dali e fugir para bem longe dos olhos e das mãos daquele rei mal-intencionado. Vi que tentavam fugir, procuravam arrumar um meio de se protegerem da melhor forma possível, mas sempre ocorriam coisas inusitadas que impediam que conseguissem. Na verdade os dois estavam muito aflitos. Sua mãe talvez por estar numa cilada armada pelo esposo, seu pai, e o seu pai talvez por arrependimento de ter feito tudo o que fez e ir pedir refúgio logo naquela arapuca. Porém, quando a água subitamente derramou da bacia foi para dar um sinal de que essa situação pode ser resolvida, as enxurradas de perigos podem cessar e tudo caminhar por melhores destinos. Mas não se preocupe meu corajoso menino, tudo será resolvido o mais rapidamente e da melhor forma possível. Mas neste momento eu daria um reino, se tivesse um, para estar ao lado dos seus pais e conhecer todo aquele contexto de perto.
Com efeito, se naquela hora da noite Bernal estivesse no castelo de Otnejon, o baixinho, poderia ver que a situação de Lucius e Lize era realmente desesperadora. O ex-soberano e fugitivo de Oninem não tinha mais dúvidas de que a qualquer momento seria traído, atacado, roubado, feito prisioneiro ou enxotado das terras daquele reino, se não tivesse pior sorte. Temia pela segurança pessoal e também com o que pudesse ocorrer com sua esposa. Esta não poderia nem deveria sofrer as conseqüências daquele gesto impensado seu. Mas gesto apenas no sentido de ter ido buscar guarida com aquele rei, mas não em relação à fuga intencional, ao roubo praticado e a riqueza que guardava consigo. Aliás, dentre suas maiores preocupações a que mais lhe perturbava o juízo era a de não ser roubado pelo maldito baixinho. Por isso mesmo é que conversou com a esposa sobre a necessidade de fugirem dali imediatamente, naquela mesma noite, levando o máximo que pudessem da fortuna, aproveitando-se da porta que havia sido abertas nos seus aposentos, que os levaria até o solar e de lá tomariam o destino que a escuridão e os seus perigos permitissem.
Fizeram tudo conforme o planejado. Lucius insistiu para que levassem apenas o mínimo dos objetos pessoais, pois o seu interesse maior evidentemente era poder transportar a sua fortuna. Assim, silenciosamente deixaram o espaçoso quarto, se dirigiram até a varanda de sol, observaram cuidadosamente se estavam sendo vigiados e seguiram ladeando as tortuosas paredes do castelo, até alcançarem o pátio externo. Restava somente sair dos seus muros e entrecortar a noite em busca da liberdade, se não surgissem as tão temidas surpresas. Seria um verdadeiro desastre serem descobertos naquela situação.
Lucius e Lize não imaginaram, contudo, que Otnejon havia escolhido aquela mesma noite para surpreendê-los enquanto estivessem dormindo. Prenderia os dois sob a acusação de que estariam espionando o reino e depois os mandaria para as masmorras. A sorte deles seria decidida depois, sendo que o mais importante haveria de já estar assegurado, que era a fortuna.
Foi com esse objetivo que os malfeitores de Otnejon chegaram até o solar, na parte externa do quarto onde deveriam estar repousando o ex-soberano e sua esposa.


continua...



Advogado e poeta
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