NO REINO DO REI MENINO – XXXIII
Rangel Alves da Costa*
Antes de retornar a Oninem, vez que sua estadia em Edravoc trouxe revelações que nunca poderia imaginar, o enviado de Gustavo já seguia para cumprir sua última missão, que era tentar ver de perto as características físicas da segunda pessoa mais importante daquele reino. Havia sido uma exigência do pequeno rei, e assim teria de ser feito.
Pelas indicações que havia recebido, logicamente que sempre em troca de alguma moeda, a pessoa vivia num pequeno casebre ao final de um amontoado de outras pobres construções das muitas que haviam por ali. Seguindo para o local, algo não lhe saía da cabeça: como é que uma pessoa tão importante no reino mora num lugar como este e numa casa tão miserável?
Nem precisou ficar muito tempo por perto da moradia, pois de repente a porta foi aberta e surgiu uma velha apoiada numa bengala. Mas não pode ser, deve haver outro morador nesta casa, pensou intrigado. Encaminhou-se até a velha senhora e perguntou se precisava de ajuda, se as outras pessoas da casa haviam saído. E ela respondeu que morava ali sozinha desde que o seu filho lhe tirou à força de sua casa e mandou que seus amigos lhe jogassem ali naquela miséria. E o enviado foi forçado a perguntar quem era esse filho ingrato. Foi quando ela, erguendo firmemente a cabeça e falando com segurança, respondeu: "Meu filho mora ali no castelo, é o rei de Edravoc".
O rapaz preferiu não se alongar mais na conversa. Nem tinha como, pois estava totalmente pasmo com o que ouviu, apenas deu-lhe uma moeda e retornou. No seu pensamento, jamais poderia imaginar que em pouco tempo tantas coisas surpreendentes pudessem acontecer com ele e quase ao mesmo tempo. Primeiro o rei Gustavo com as suas exigências, depois Otnejon com sua loucura, e agora aquela mulher com sua revelação. Afinal, por que aquela pobre senhora seria a segunda pessoa mais importante do reino? Não teria cabimento algum, mesmo afirmando ser mãe do mal-afamado baixinho. Agora teria que retornar rapidamente, antes que qualquer surpresa viesse complicar ainda mais a situação. Ao menos o seu papel havia sido feito.
No castelo de Oninem, de tanto tentar resolver pequenos e grandes problemas, Gustavo nem lembrava mais que havia enviado o rapaz para aquela importante missão. Haveria de ficar muito surpreendido quando retornasse. Ordenou que todos os comandantes das forças do reino, desde a guarda até os batalhões de combate, fossem chamados com urgência à sua presença.
Naquela instabilidade isto era mais que necessário, pois precisava saber a real situação de cada unidade, de tudo que se relacionasse ao reforço de tropas, estado das armas de combate, estado da cavalaria de guerra, treinamento e preparo dos homens, satisfação pessoal de todos, enfim, um quadro geral das forças de ataque e defesa do reino. Contudo, a situação traçada pelos comandantes foi a pior possível. Segundo relato de alguns, até os cavalos da cavalaria estavam passando fome. No estado que estavam não venceriam um combate nem contra o mais fragilizado dos inimigos. Teria que resolver isso com urgência. Mas como, se os cofres de Oninem estavam praticamente vazios.
A única salvação de Gustavo seria vender imediatamente a coroa real, mesmo que a incumbência de arranjar compradores tenha sido repassada para o velho sacerdote. Onde estaria o danado beberrão, se perguntou. E talvez esse pensamento tenha surtido efeito, pois não demorou muito e um criado veio entregar uma mensagem urgente enviada da parte do servo da igreja: "Ao entardecer de amanhã estarei aí no vosso reino acompanhado de pretendentes à sua afortunada coroa. Os possíveis compradores são todos riquíssimos, e por isso mesmo aumente o preço até as alturas. Não tenha pena deles. Não esqueça do nosso acordo, sobre aquela pequena quantia diante do muito. Espero também encontrar à disposição algumas garrafas daquele maravilhoso vinho. Sacerdote Groguellius". Menos mal, pensou o pequeno rei.
Bernal, que estava ali próximo como que sendo torturado, só se acalmou quando lhe foi repassada a mensagem. Leu rapidamente e se dirigiu ao amigo:
- Mas meu rei, tencionas mesmo em vender a coroa, esta mesma preciosidade que só está aqui pela intervenção das forças desconhecidas e poderosas? Os deuses podem não gostar disso, achar que somos ingratos e fazer recair sobre nós qualquer coisa desagradável. Ademais, não é só uma coroa, um objeto ornamentado com riquezas, mas uma história familiar, repassada de geração a geração...
- E o que podemos fazer então diante dessa situação que estamos vivendo? Sei que é o meu sangue que está nela, tudo o que me pertence está nela, a minha existência e de minha família está refletida nela. Faria tudo pra arrumar outro meio de resolver essa crise, mas penso em tudo e não encontro saída. Não podemos vender nossas terras, nossos rebanhos e nem esse castelo. Se isto pudesse ser feito também seria o fim de Oninem, não adiantaria nada. Quero que você entenda bem uma coisa: estamos vendendo a coroa por uma questão de sobrevivência, nossa, do reino e de todos que dele fazem parte. Digo sobrevivência porque se não prepararmos nossas forças de segurança daqui há pouco tempo não seremos mais nada, porque seremos todos atacados e mortos pelo inimigo. Entendeu agora? – Foi o que disse o menino, numa seriedade de adulto e uma tristeza de qualquer idade.
Realmente, aquele ambiente estava pesado e triste. Talvez por isso Bernal não pôde perceber que dois homenzinhos orelhudos das florestas estavam ali o tempo todo, ouvindo tudo. E assim que Gustavo acabou de falar correram castelo adentro, pegaram a coroa e sumiram com ela pelas matas.
continua...
Advogado e poeta
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