NO REINO DO REI MENINO – XXXIV
Rangel Alves da Costa*
O enviado do pequeno rei já estava retornando a Oninem para fazer suas surpreendentes revelações. Mas em Edravoc o seu soberano continuava colocando em prática suas estratégias covardes, fazendo do medo, do terror e da chantagem mecanismos para engordar seus cofres, para apropriação ilícita do que era dos outros. O pior é que ameaçava vidas com seus intentos diabólicos, como estava ocorrendo nesse exato instante em que interrogava os prisioneiros Lucius e Lize.
Segundo ele mesmo falou, estava bem alegre e contente depois do envio de mais uma proposta e de um belo presente para o menino rei. Tinha certeza que o mesmo ficaria muito feliz ao receber as madeixas louras de sua mãe, afirmou zombeteiramente. Porque estava assim nessa falsa disposição de ânimo é que resolveu que ouviria os dois fora da escuridão daquele quartinho imundo onde estavam jogados. Seria ao ar livre, disse, e por isso mesmo mandou que o casal fosse levado para uma pocilga, onde ficou ao lado de porcos fuçando os seus corpos o tempo inteiro.
Sentou do lado de fora, colocou uma bandeja com um pernil assado ao lado, num local onde os dois pudessem sentir bem o cheiro dos temperos, e com uma garrafa sempre ao alcance da boca começou a falar:
- Como podem ver, tudo isso aqui está uma bagunça, tudo se acabando sem que eu possa fazer nada. Me faltam os recursos. O castelo nem mais parece a moradia do soberano mais importante, poderoso e feroz de todo o País dos Voantes. Preciso reconstruir esse castelo todo, fazer mais jaulas e moradias para os meus amiguinhos de estimação, mas me faltam os recursos. Vocês não teriam algumas moedas para emprestar ao amigo não? – E levantando-se, agora falando alto e enraivecido – Vocês não teriam uma fortuna pra me dar não? Cadê a minha fortuna que estava aqui no meu castelo, que por direito me pertencia, e vocês roubaram? Onde diabos vocês esconderam minhas joias, o meu ouro e tudo aquilo que vale uma fortuna, digam? É só dizer e saírem daqui vivos, tomados banho, arrumados, com a barriga cheia de comida como esta que está aqui.. Querem provar, está uma delícia – e jogou fatias do assado no meio da lama – Peguem e experimentem, agora deve estar melhor ainda. Mas se não disserem, hoje mesmo...
Nem terminou de expor sua fúria e o baixinho mal-afamado olhou para cima assustado. É que de repente, em segundos, o céu escureceu totalmente, relâmpagos começaram a faiscar por todos os lados, trovões zoaram ensurdecedoramente e uma tempestade começou a desabar. Parecia coisa do outro mundo.
Então, como morria de medo diante dessas estranhas e inesperadas forças da natureza, o baixinho Otnejon começou a gritar por socorro, a chorar, espernear e por fim saiu em desembestada carreira sem rumo certo, sem saber para onde estava correndo. Apenas corria feito um enlouquecido, com suas pernas curtas tropeçando aqui e acolá e fazendo com que se esparramasse pelo chão. No outro dia de manhã, depois de procurar por todas as redondezas, os seus guardas foram encontrá-lo dormindo, todo arranhado pelos tombos e quedas, dentro de uma casinha de cachorros, uns dois quilômetros distante do castelo.
Assim que os guardas o encontraram naquele deplorável estado, o baixinho acordou assustado e foi logo falando desconfiado, mas já querendo impor: "Saí pra caçar sozinho, de repente me deu o maior sono e resolvi descansar um pouquinho aqui, mas pelo visto dormi demais. Mas se algum de vocês cometerem a loucura de espalhar por aí que me encontrou aqui nesse lugar já sabe que terá morte certa, e a mais fria e cruel e de todas as mortes. E como estão os meus preciosos prisioneiros?", terminou indagando. "Ora, meu rei, a gente pensava que vossa majestade sabia onde eles estavam, porque lá no castelo eles não estão de jeito nenhum. Já vasculhamos onde foi possível, mas nem sombra deles. Pelo jeito então sumiram, fugiram novamente".
A essa altura das palavras do guarda, o baixinho mal-afamado inchou de raiva, ficou numa vermelhidão arroxeada impressionante, estremecia como estivesse com frio e quem via diria que explodiria a qualquer momento. O pior é que tentava falar e não conseguia de jeito nenhum, remoia, pulava feito canguru e a voz não tinha jeito de sair. Nesse terrível acesso saiu em desabalada correria, com os seus homens correndo atrás.
Tal situação seria um prato cheio para que o rei Gustavo pudesse retomar sua vontade de sorrir, verdadeiramente gargalhar como somente as crianças sabem fazer. Não significa, contudo, que estivesse demasiadamente triste, não. Estava apenas preocupado, mas sabia que iria solucionar todos os problemas o mais rápido e da melhor maneira possível. Amanhã, quando o sacerdote chegasse com sua comitiva de interessados na compra da coroa real, talvez tudo já começasse a ser resolvido. Seria doloroso, mas teria que se desfazer daquela relíquia que era o marco maior de toda a história familiar. Tal era o pensamento do pequeno rei.
Já que dentre em pouco não teria mais aquele resplendor real ao seu alcance, resolveu mandar buscá-la para que pudesse tê-la ali ao seu lado, apreciando-a como numa despedida. Chamou Bernal e pediu que providenciasse a vinda do precioso objeto. Sempre obediente para não preocupar ainda mais o amigo, o feiticeiro do bem se dirigiu ao aposento onde estava o cofre do castelo, e ao abri-lo deparou-se com o local onde deveria estar a coroa totalmente vazio. Voltou em disparada e foi logo gritando pelos corredores:
- Roubaram a coroa, roubaram a coroa!
continua...
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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