SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 6 de março de 2010

NO REINO DO REI MENINO – XXVIII

NO REINO DO REI MENINO – XXVIII

Rangel Alves da Costa*


Assim que irromperam no quarto com tochas acesas, os homens de Otnejon foram logo percebendo certa estranheza no lugar. Ninguém estava ali, revistaram por todos os cantos e só encontraram malas com roupas e outros objetos de uso pessoal de quem estava naquele local. Ora, haviam garantido que seria presa fácil, pois encontrariam os dois dormindo e depois o único trabalho seria conduzi-los amarrados até à presença do rei para serem acusados e jogados na prisão. Contudo, verdade é que conseguiram sair antes que chegassem.
Quando ia voltando para dar a má notícia ao rei, um dos homens percebeu um pequeno portão entreaberto e gritou: "Eles fugiram por aqui e parece que há pouco tempo, pois deixaram cair alguns pequenos objetos pelo chão". Haviam deixado rastros e certamente seriam implacavelmente perseguidos.
Assim que soube da fuga, Otnejon colocou a mão sobre o peito e mandou que lhe segurassem porque iria ter um troço ali mesmo e morrer, mas em seguida, todo faiscando de raiva, partiu com ferocidade para cima dos homens e, se fosse da altura deles, falaria empurrando o dedo no nariz:
- Vocês são todos uns imbecis, uns despreparados e sem astúcia nenhuma. O que é que estão fazendo aqui quando deveriam já estar no encalço daqueles ladrões do próprio reino. Deem já meia volta e mais que depressa vão atrás dos dois, seguindo as pistas que eles deixaram. Eles não conhecem o reino nem os perigos que rondam a noite por aqui, por isso mesmo é que vão ser presas fáceis. Andem, agora andem, chispem... – Mas nem deixou que saíssem da sala e deu outro grito – Esperem um pouco que vou à frente. Essas coisas que envolvem muita riqueza é sempre bom que o legítimo interessado vá à frente, comandando as ações. Além disso eu não confio nem um dedo de mindinho em vocês, palermas. Esperem aí que eu já volto.
Uns dez minutos depois e voltou o baixinho mal-afamado rodeado por cães ferozes, armado até os dentes e com um encorajamento que assustava. Após virar um copo cheio de uma bebida forte e colocar folhas de fumo na boca saiu com o seu bando noite adentro, pelas redondezas do castelo, pela trilha onde deveriam ter seguido os dois fugitivos.
Se os homens de Otnejon tivessem saído em imediata perseguição ao casal certamente que o encontraria. A noite dificultava enormemente a fuga, os dois não sabiam bem por onde caminhavam, o peso dos objetos que carregavam impedia qualquer avanço mais rápido, andavam um pouco e tinham que parar para Lize descansar. Contudo, aquela demora em terem ido avisar ao rei e o tempo que passaram ali até saírem em perseguição possibilitou uma vantagem enorme para eles. Estavam, sem saber, com boa frente sobre o bando que vinha no encalço. Mas aí começou a cair a maior chuvarada.
Com um verdadeiro temporal sobre eles, os objetos que levavam pareciam ter dobrado de peso. Ademais, não enxergavam um palmo sequer à frente, tendo que tatear cuidadosamente o desconhecido naquele breu amedrontador. Mas foi quando Lize escorregou e caiu que perceberam que não tinham mais condições de seguir adiante, ao menos por enquanto. A situação tornou-se ainda mais desanimadora, difícil de ser superada, e então procuraram cuidadosamente um abrigo onde pudessem descansar um pouco e esperar a chuva passar. Sabiam, entretanto, que a qualquer momento poderiam ser encontrados, e o medo ia aumentando à medida que ouviam ao longe cachorros latindo.
O temporal não afetou em nada o avanço do baixinho mal-afamado e seus homens. Quanto mais chovia mais pareciam dispostos a seguir em frente. Conheciam muito bem a região, todas as veredas e encruzilhadas, e por isso mesmo nada impediria que a qualquer momento encontrassem sinais da presença dos dois. Nada impediria a não ser a chuva, pois o barulho que fazia impossibilitava ouvir qualquer som que os fugitivos fizessem, dificultava o farejo dos cães, não deixava que acendessem tochas para iluminar os possíveis esconderijos.
Esse emaranhado de coisas, ao menos por aqueles instantes, serviu como tábua de salvação para os pais de Gustavo. Estavam protegidos dentro de uma pequena gruta de pedra quando ouviram o barulho dos cachorros e dos homens que estavam se aproximando. Pertinhos um do outro, se uniram em orações e perceberam quando iam passando sem darem conta de que estavam ali bem próximo, a uns cinqüenta metros.
O susto foi tão grande que não resistiram e adormeceram ali mesmo. Quando abriram os olhos a chuva já estava fininha e o dia começava a clarear. Quando Lucius quis levantar um pouco, ao olhar para cima percebeu quatro olhos estranhos mirando eles, em duas cabeças viradas para baixo.


continua...



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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