SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 6 de março de 2010

A SAGA DA SOLIDÃO (Crônica)

A SAGA DA SOLIDÃO

Rangel Alves da Costa*


Dizem que a solidão saiu por aí numa tristeza danada, de dá dó mesmo. Segundo os seus amigos mais íntimos, que são o abandono, o isolamento, a angústia, a carência, a separação, a privação, o enclausuramento, o sofrimento, a ansiedade, o desamparo e a renúncia, ela não tinha nenhum motivo para ficar assim, para de repente transformar-se num inexplicável vazio, pois demonstrava estar alegre e feliz.
Quando a solidão resolveu ficar assim, toda tristonha e distante do mundo que a rodeia, ela não fez isso sozinha, contrariando o que muita gente pensa. Parecendo ter uma força superior, um encantamento que silenciosamente envolve as pessoas, ela possui dezenas, centenas, inúmeros seguidores onde está e pelo mundo afora. Fecha-se sozinha no seu canto, sai por aí procurando refúgio às escondidas, mas sempre sendo seguida por corações e mentes que simplesmente querem se distanciar da vida e da intensidade do viver.
Já fiz parte desse grupo de seguidores, e de vez em quando, principalmente ao anoitecer ou quando a chuva bate na vidraça, tenho recaídas que chegam como verdadeiras tempestades internas. Até gosto dessa sensação de solidão, porém quando ela é provocada, vez que proporciona momentos indispensáveis de autorreflexão e de releitura do que andei escrevendo pelos caminhos da vida. Mas quando ela chega por sugestão própria, sem pedir licença à alegria ou à multidão ao meu lado, pouco posso fazer senão buscar o melhor ambiente para vivê-la: o quarto fechado, um ambiente silencioso e reservado, qualquer lugar onde a angústia não seja incomodada.
No percurso incansável que faz a solidão, tanto faz para ela estar numa rua movimentada da cidade grande, na arquibancada de estádio de futebol ou numa reunião animada, tanto faz porque assume a sua feição onde quer que esteja. Não se incomoda que os outros estejam gritando ao seu lado, provocando, instigando, fazendo com que forçosamente participe daquela situação. Não importa. O que importa para ela é simplesmente dizer que é solidão e pronto. Daí que pode surgir o sorriso, a alegria, a algazarra, o maior barulho do mundo que ela, participando disso tudo, vai se impondo de tal modo que de repente tudo aquilo ali ao redor não existe mais. E o pior: as pessoas tornam-se insuportáveis, não quer ouvir ninguém lhe falando, quer fugir para um lugar bem distante e nunca mais voltar.
Nessa sua fuga da realidade, inevitavelmente que a solidão encontra consigo mesmo. Não vendo, ouvindo ou querendo os outros ao redor, contenta-se sofrivelmente com o enfrentamento com os seus próprios problemas. É nesse encontro da solidão com o seu íntimo que nasce o diálogo da lágrima, do grito, do terror, da angústia, da depressão, do suicídio. Muitas vezes uma solidão pede, exige, ordena, enquanto essa mesma solidão contemporiza, dá uma chance a si mesma, abre a porta e vai procurar viver.
Quando a solidão encontra motivos para continuar sua caminhada solitária é muito difícil de rever a situação e procurar retorná-la. Ora, se ela vive buscando o instante certo para se mostrar presente com toda a sua força, quando o espírito está fragilizado pelo fim de uma relação, quando a pessoa está psicologicamente afetada pela perda e pela saudade ou quando simplesmente a mente começa a rejeitar os outros e pedir isolamento, não há como pedir ou implorar para que ela dê um tempo e venha depois. Como avalanche, vendaval ou tempestade, ela chega, faz seus estragos e ainda continua rondando a vida da pessoa já fragilizada.
Um dia ela chegou sedenta e faminta perante uma jovem triste, se aproveitou da vulnerabilidade daquele coração apaixonado e da mente indecisa, entrou sem se anunciar, sem bater a porta, e foi logo fazendo a festa. Impôs que a mocinha se enclausurasse no seu quarto, não falasse com ninguém de sua casa, não recebesse visitas, pouco se alimentasse e ainda por cima, como forma de aumentar ainda mais aquele sofrimento insuportável, fazia com que a pequena desesperada ficasse olhando da janela o horizonte encantador, lesse e relesse os bilhetes de amor enviados por alguém, mirasse constantemente aquele rosto na fotografia. A solidão pouco a pouco foi se transformando em obsessão, e desta para a loucura. Até hoje a mocinha vive na janela esperando o príncipe chegar. Diz que enquanto não chega trai ele com o cobertor.
Contudo, pessoas existem que são mais fortes do que a solidão e fazem dela o que bem entendem. Sabendo disso, a rainha da solidão resolveu que ela mesma iria testar para ver se realmente estavam menosprezando essa imposição psicológica de deixar as pessoas como se estivessem distantes do mundo. A primeira pessoa que encontrou foi um recém descasado que fazia de tudo para não sair da solidão que tanto merecia.
Chegou próximo e foi logo invadindo o rapaz tranqüilo à beira mar. Lá dentro, zanzou de um lado para o outro, foi no coração, subiu ao cérebro, e nada do homem passar a ter o comportamento próprio dos que estão desesperadamente solitários. Pelo contrário, o indivíduo vivia calmo e paciente com a boa solidão que já tinha. E a rainha da solidão ficou desesperada, a ponto de enlouquecer.
E só não enlouqueceu porque foi forçada a aprender que não há solidão tão intensa que o ser humano não possa viver feliz com ela.


Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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