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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 21 de março de 2010

DÊ-ME TUAS MÃOS! (Crônica)

DÊ-ME TUAS MÃOS!

Rangel Alves da Costa*


As mãos de Whitman acariciaram as folhas de relva; as mãos de Baudelaire plantaram as flores do mal; Jorge Amado fez espalhar nas paisagens sangrentas as folhas do cacau; Graciliano mostrou que no Nordeste não haviam folhas a serem colhidas pelas mãos ossudas; as mãos de Machado mancharam a honra de Capitu; Goethe manchou de sangue as mãos do jovem Werther; Eça de Queirós tirava das mãos de Luísa a aliança que simbolizava a honra; Cervantes fez com que Dom Quixote enfrentasse os moinhos-gigantes com a mão empunhando uma lança; José Mauro de Vasconcelos enxugou com as mãos as lágrimas de Zezé quando cortaram seu pé de laranja lima; Fernando Pessoa com uma mão segurava o charuto e com a outra escrevia que o rio mais bonito é o rio que passa pela sua aldeia; Pedro Bloch deu uma fortuna quando Eurídice estendeu sua mão; Drummond apontou com a mão onde José deveria ir, mas este não foi, e agora José?
As mãos de Da Vinci não são mãos, são os olhos da Monalisa; Alfredo Volpi encheu minha rua triste com bandeirinhas coloridas à mão; Munch colocou a mão na boca na hora do grito na ponte; Tarsila insistia naquelas mãos enormes e pés desproporcionais; Picasso queria que todos colocassem as mãos nos olhos para não ver as atrocidades de Guernica; Almeida Júnior mostrou o sertanejo segurando com a mão a faquinha para picar fumo; as baianas e escravas enchiam as mãos de Debret de doces e guloseimas; Michelangelo aproximou as mãos do homem e de Deus na Capela Sistina; a mulher triste de Portinari estava segurando o menino morto nas mãos; Claude Monet espalhava com as mãos tardes, folhas, flores e jardins nas suas paisagens; Edouard Manet penteou com as mãos os cabelos da jovem bonita no espelho; Rodolfo Amoedo deixou estendidas na praia as mãos mortas do último tamoio; que belas são as mãos das morenas de seios fartos de Di Cavalcanti; por que as mãos não apararam o bigode de Dali?
Onde estão agora tuas mãos, Madre Teresa de Calcutá, Irmã Dulce e Zilda Arns? As mãos do bem não doam também além? A mão no chocalho ainda anuncia a fé ritual no terreiro de Mãe Meninha; as mãos de Maria Lenk espalharam as águas para a vitória; tuas mãos ainda acertariam bem no fundo da quadra Maria Ester Bueno; as mãos de Cecília Meireles ainda correm pelos canteiros; Maria Moura pega com as mãos as rédeas do destino e vai na direção de Rachel de Queiroz; por que mãos com tanto esmalte, anéis e alianças Viúva Porcina?; tal qual a cabana do Pai Tomás, tuas mãos também são sábias Harriet Beecher Stowe; quantas mãos alcançaram sucesso nos teus folhetins Janete Clair, Ivani Ribeiro e Glória Magadan?; o que tuas mãos assentaram ainda ressoam em movimento Chiara Lubich; por que não pegou a arma com a mão e atirou primeiro Maria Bonita?
E essas mãos sertanejas, que carentes imploram aos céus, que crentes se apegam aos céus, que sonhadoras limpam a terra, plantam, colhem, tangem o gado, tiram o leite, pegam na enxada, movem o barro, fazem a telha e o tijolo, pregam ripas, portas e portais, tiram o couro, adormecem o couro na água, trabalham o couro, fazem a sandália, a alpercata, o alforje e o gibão, serram a ponta, trabalham a ponta, fazem o berrante, seguram o berrante e sopram chamando o destino, pegam no copo e tomam a pinga, enrolam a palha e fazem o cigarro, pegam a faca, o facão e o punhal e pegam o inimigo, pegam os tostões e fazem a feira, pegam o saco com dois quilos de nada, entregam à mulher que cozinha o que não existe, que fazem mamadeira de água e enganam o choro dos pequeninos, que levam a farinha à boca e depois se benzem agradecendo a Deus pelo muito no pouco que tem.
E essas mãos que trabalham nas máquinas, apertam parafusos, acendem a fornalha, jogam a matéria, abrem a porta para o chefe passar, assinam o ponto, acendem e apagam a luz, tira o lenço do bolso e limpam o suor, recebem o salário do mês, fazem as compras, fazem os cálculos e batem na mesa com raiva; essas mãos que tocam o tambor, o cavaquinho o violão, o pandeiro e o zabumba, enchem o copo de cerveja, levantam a saia pra sambar; essas mãos que podam as árvores, varrem as calçadas, limpam o lixo, jogam os restos no caminhão, pintam as ruas, apitam para o carro parar ou passar, pegam na caneta para multar, pegam a propina escondido; essas mãos que engraxam sapatos, que pegam a cola e levam ao nariz, que furtam, que roubam, que pegam na arma, apontam, miram e atiram, que pedem esmolas, que limpam os vidros nos cruzamentos, que vendem jornais e não sabem ler a manchete escrita por outras mãos: "Fugiu com as mãos algemadas".
As mãos estão sempre unidas no instante da morte. No instante da vida as mãos sempre entristecem dizendo adeus. O que fazem tuas mãos agora? Dê-me tuas mãos!




Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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