SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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segunda-feira, 1 de março de 2010

NO REINO DO REI MENINO – XXI

NO REINO DO REI MENINO – XXI

Rangel Alves da Costa*


Às cinco horas da manhã, enquanto o pequeno rei dormia o sono dos justos ao lado de seu camaleão de estimação, Bernal, ainda sonolento e bocejando, estava a postos para ver se algum menino aparecia. Torcia e tinha até certeza de que não apareceria ninguém, principalmente pelo arrepiante convite para a caçada ao faminto crocodilo selvagem e pela chuva que caía torrencialmente, tornando a manhã no reino uma escuridão tenebrosa e entrecortada de raios e trovões.
Contudo, para seu espanto, chegaram seis corajosos garotos, todos encharcados de chuva, porém mostrando disposição. Ao vê-los naquele estado, o feiticeiro sentiu o coração apertado, teve pena, afinal não iriam a lugar algum e muito menos caçar uma fera perigosíssima. Tudo não havia passado de uma estratégia de Gustavo para formar logo o seu grupo de auxiliares, de nobres cavaleiros a serviço do reino. Ao final, ficou realmente demonstrado quais eram os mais corajosos e que a partir daquele instante já podiam se considerar também responsáveis diretos pelo Reino de Oninem. Seis meninos, seis nobres e destemidos cavaleiros.
Dinadan, Galaaz, Hoel, Lucan, Lamorak e Cador, estes eram os nomes dos seis meninos escolhidos como auxiliares do rei Gustavo. Mais tarde, estes mesmos personagens seriam conhecidos no reino como Dinadan, o estrategista; Galaaz, o destemido; Hoel, o silencioso; Lucan, o pacificador; Lamorak, o mensageiro e Cador, o terrível.
O surgimento destes novos personagens no cotidiano do castelo e na vida do rei não agradava nem um pouco ao feiticeiro do bem. Não queria admitir pra si mesmo, mas outra coisa não era senão ciúme em passar a ver a garotada opinando, dizendo que acha isso ou aquilo, afirmando que pensa assim ou assim. Diante dessas novas figuras, qual seria a sua importância nas decisões do soberano, qual o respeito que continuaria tendo ali, alguém lhe ouviria e daria crédito ao que dissesse, qual a sua real função dentro desse novo contexto?
Tais aspectos o deixavam entristecido e até esquecido de seus compromissos com as forças da magia. Sabia que os seus poderes não poderiam ficar enfraquecidos, e por isso mesmo teria que praticar mais e mais seus encantamentos. E ficou mais temeroso ainda quando o rei decidiu, naquela mesma manhã do seu segundo dia de reinado, que à tarde anunciaria algumas medidas de emergência que havia tomado.
Como era praxe no reino, as leis eram elaboradas única e exclusivamente pelo rei, sem ter que ouvir quem quer que seja sobre a sua conveniência ou não. Bastava que o rei, por exemplo, quisesse fazer do inexistente crocodilo do pântano o símbolo a constar da bandeira do reino e assim estava feito, sem ter ninguém para contestar. Assim, à tarde, após os clarins soarem anunciando que o povo estava sendo chamado para um anúncio importante, a frente do castelo ficou repleta de pessoas para ouvir as primeiras decisões tomadas pelo menino rei.
Seria Bernal o leitor em voz alta do decreto real. Mais uma vez não gostou de ser incumbido de tal tarefa, precisamente porque o rei lhe negara conhecer previamente o seu conteúdo. De qualquer sorte, de uma guarita posicionada exclusivamente para tal finalidade, o insatisfeito mensageiro retirou o laço com as insígnias, desenrolou o papel e começou a ler a mensagem:
"O rei Gustavo Adnia de Oneuqep, abençoado por Deus e em nome do Reino de Oninem e do seu povo, decreta, para que seja respeitado como lei por todos, o seguinte: Primeiro: É proibido o desemprego no reino. Aquele que estiver desempregado terá que trabalhar para o reino, produzindo alimentos e deles retirará uma quantidade para seu sustento. Segundo: Toda criança terá que ser educada por cinco anos diretamente na natureza, nos campos, a céu aberto, onde deverão aprender a respeitar os animais, as plantas e as fontes de água. Terceiro: Ninguém será mais obrigado a pagar impostos, mas todos deverão contribuir mensalmente com quanto puderem para o pagamento das despesas do reino ou justificar que não estão em condições de cumprir com tal obrigação. Quarto: A partir deste momento todas as crianças terão os mesmos direitos que os adultos. Quinto..."
E quando ia ler a quinta e última ordem do rei, Bernal levantou um pouco os olhos e avistou uma cavalaria que vinha a toda correria em direção aos portões do castelo, no local onde estava concentrado o povo. Daí que não teve outro jeito senão ler: "Quinto: corram, corram, se protejam daqueles cavaleiros ainda desconhecidos que vem chegando nessa direção a todo vapor".
O povo então se debandou como pôde, num alvoroço que parecia coisa do outro mundo. O próprio feiticeiro, sem lembrar onde estava, procurou correr e quando viu já estava estatelado no chão, e bem aos pés de um cavalo que acabava de chegar. Levantou a cabeça e felizmente viu que o homem ali presente era um dos cavaleiros da guarda das fronteiras do reino. Ainda bem que não era um malfeitor, pensou ao levantar com a roupa toda suja.
- Avise depressa ao rei que tenho um assunto urgente a lhe comunicar e diz respeito a estranhos que estão posicionados na parte sul da nossa fronteira.


continua...



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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