NO REINO DO REI MENINO – XLIV
Rangel Alves da Costa*
Os pais de Gustavo se tornaram invisíveis pela ação dos dois duendes, que haviam se transformado em verdadeiros anjos da guarda. Naquele instante em que Otnejon saiu correndo sem rumo com medo da tempestade, os verdinhos orelhudos se aproveitaram da situação e retiraram os dois da pocilga e em seguida, levando-os para se abrigarem das chuvas, dos raios e trovões, jogaram um pó encantado sobre eles.
A intenção dos duendes era aproveitar que o baixinho estava ausente e alguns dos guardas saíram à sua procura para tirar os dois dali. Contudo, por mais que as forças da magia pudessem colaborar na retirada deles do castelo, sem que ninguém percebesse, o problema era a precariedade da saúde deles, cujos sofrimentos no corpo e no espírito dificultavam muito a locomoção. Por enquanto, até que retomassem mais vigor, a invisibilidade seria o único meio de protegê-los da fúria sanguinária do baixinho.
Para os dois foi como se não tivesse acontecido nada, pois podiam ver, ouvir, falar e sentir; mas para os demais foi como tivessem sumido, desaparecido de repente. Somente os seres das florestas, que também ficavam invisíveis quando bem entendessem, podiam vê-los onde estavam. E estavam escondidos, se é assim que se pode dizer, numa dispensa sem movimentação alguma que ficava bem próximo da cozinha do castelo. Ali comiam e bebiam o que os dois amiguinhos orelhudos surrupiavam na cozinha e traziam.
O problema é que aos poucos o aspecto físico dos dois foi ficando novamente visível, tendo os duendes que jogar novas poções da poeira mágica sobre eles. Contudo, o pó acabou exatamente quando novos guardas contratados pelo rei mal-afamado estavam realizando uma nova ronda, procurando Lucius e Lize em cada aposento e em cada canto do castelo. Haveriam de encontrar, havia prometido o rei, ainda nos seus delírios intermináveis.
Assim que os guardas abriram a porta da dispensa encontraram os dois num canto, sentados no chão imundo e abraçados, unidos mais que nunca nas dificuldades. Não esboçaram nenhuma reação, também não tinham forças para tal, apenas protegeram os olhos da claridade do sol que entrava pela porta aberta. Quanta satisfação para os homens de Otnejon, quantos sorrisos, pulos, gritos e chutes no casal indefeso. Assim, após essa pequena festa de comemoração foram amarrados e conduzidos até à presença do rei.
Otnejon recebeu os dois enquanto se divertia segurando duas cobras venenosas e tendo outra enrolada ao pescoço. Segurava uma e a levava de encontro à cabeça da outra, dizendo "morde, morde, bichinha do papai, morde". Ficou uns cinco minutos nessa brincadeira macabra, parecendo que não estava vendo nem os guardas nem o casal de prisioneiros. Quando quis chamou dois guardas e mandou que um retirasse a cobra enrolada no seu pescoço e colocasse no dele e o outro continuasse brincando com as outras duas serpentes agitadas, como estava fazendo até aquele momento. Como os dois homens, num surto de tremedeira instantânea, se negavam a cumprir a ordem, o baixinho pegou duas setinhas envenenadas e jogou certeiramente contra eles. Não demorou dois minutos e os dois estavam estendidos com as peçonhentas passeando sobre os seus corpos.
Se dirigiu até outra sala e ordenou que trouxessem os dois prisioneiros. Sentado de costas para os dois, com as duas pernas sobre um banquinho, bebia um líquido desconhecido quando começou a falar:
- Vocês andavam sumidos, quantas saudades eu senti, até chorei sentindo a falta dos dois amiguinhos tão queridos, mas agora sou outro homem e estou muito feliz em revê-los. Gosto tanto de vocês que juro que não vou deixar que se separem de perto de mim um só instante, nunca mais – Ficando em pé de repente e jogando o banquinho na parede, falou bem alto e de forma assustadora -, até que me digam de uma vez por todas onde está escondida aquela maldita fortuna que me pertence e vocês me roubaram. Digam agora mesmo ou vou até aí e mato vocês de mordidas e depois como o coração de vocês ainda quentinhos, bebendo desse sangue que era azul e agora nem vermelho é mais, porque não vale nada. Digam...
- Direi senhor...
Para espanto da esposa Lize e até do baixinho furioso, que ao ouvir tais palavras tropeçou uma perna na outra e se estatelou no chão, Lucius fraquejou de vez e tendia agora demonstrar que não era mais o homem corajoso, ex-soberano de Oninem e com um sangue de bravura e valentia que, quisesse ou não, ainda lhe corria nas veias.
Fraquejou porque se sentia inútil e culpado por aquilo tudo que estava ocorrendo com sua amada esposa, em crescente estado de sofrimento. E fraquejou porque não podia suportar mais as chantagens do baixinho e os tantos atos cruéis que presenciava, sabendo que a qualquer instante a insanidade daquele homem imprevisível faria recair sobre os seus corpos todas aquelas atrocidades que estava vendo com relação aos outros. Fraquejou porque estava mostrando ser indigno da condição de pai do grande rei menino Gustavo.
- Como é, como foi que falou? Repita meu amiguinho, você disse que... – Falou Otnejon, de quatro no chão, tentando se levantar.
- É isso mesmo o que ouviu. Se prometer que libertará minha esposa, livrando-a desse sofrimento todo, juro que o levarei até o local onde a fortuna está escondida – Confirmou Lucius, chorando de cabeça baixa.
Como era de se esperar, o baixinho aceitou no mesmo instante a condição imposta, afirmando somente que ela seria cumprida assim que a fortuna fosse encontrada. E mandou que jogassem água sobre eles, dessem algum resto de alimentos e deixassem cochilar naquela noite, sob severa vigilância.
Ainda no local onde havia recebido a notícia que tanto esperava, o baixinho pulava, fazia gestos de dança, bebia, cantava e chorava de alegria. Nessa fúria de contentamento é que resolveu dar uma festinha naquela noite para os guardas ali no palácio, com direito a bebida e um pouco de carne. E assim foi feito. O que os guardas não ficaram sabendo é que a carne assada que consumiram com as estranhas bebidas na verdade eram pedaços daqueles dois jovens amigos mortos pelo desumano e terrível baixinho.
continua...
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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