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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 21 de março de 2010

GESTOS DE DESPEDIDA (Crônica)

GESTOS DE DESPEDIDA

Rangel Alves da Costa*


Cada gesto de despedida não diz somente sobre o adeus, até mais, até breve, voltarei. Cada gesto de despedida não é somente um distanciamento, uma ruptura mesmo que momentânea entre quem vai e quem fica. Cada gesto de despedida não significa apenas a dor incontida no peito, a lágrima verdadeira, a saudade que já é antes da ausência. Cada gesto de despedida não se caracteriza somente por uma porta que fecha e um passo que anda, um aceno que vai sumindo e um horizonte diferente pela frente.
Não, não é, pois cada gesto de despedida é o instante que pode ser tudo: tudo pode ter acabado ali, desfeito para sempre, impossível de se ter novamente. Ora, mas dirá que a saudade e a lembrança tornam os distantes presentes, a fotografia diz que ainda está ali, a vontade de ter preenche o vazio, a certeza da volta é o toque na porta. Quem dera fosse assim, e nossa vida seria uma agenda e não uma página solta com nomes riscados ou apagados.
Alguém que se diz hoje tal qual ontem, seria o mesmo de uma semana atrás? Alguém cujo corpo tem saudade do vigor da mocidade espera que mais tarde a mesma força física retorne? Alguém que ontem feriu de morte outro coração que amava, deseja hoje o perdão e o mesmo sentimento de antes? Alguém que bate a porta na cara espera que o outro esteja esperando lá fora para amavelmente retornar? Alguém que bruscamente partiu sem dizer adeus pensará em retornar para depois partir novamente de forma diferente? Alguém que se despede do outro deixa com este a palavra e a presença? Não, e não porque o segundo que passa já é o segundo seguinte e alguma coisa já se encaminha para mudar.
O ato da despedida, tenha certeza, possui um simbolismo muito maior do que se imagina. Pois a despedida, diferentemente do que costumeiramente se pensa, é muito mais do que a separação mais ou menos prolongada, a ruptura de relacionamento, a consumação do adeus, o sinal da partida, o remate, o encerramento, a conclusão. Como conseqüência, a força do simbolismo do ato de despedida reside no seu aspecto psicológico, pois os verdadeiros sentimentos de quem vai e quem fica não são exteriorizados na lágrima, no adeus, na fúria ou no rancor, mas sim intimamente como sinal de perda ou de satisfação.
O gesto de quem se despede da esposa e dos filhos porque terá que se ausentar por algum tempo para trabalhar em outro lugar, é muito diferente do gesto de quem deixa o lar porque se separou da esposa. Do mesmo modo, a atitude de quem dá um beijo de boa noite no seu amor e espera ansiosamente para que retorne amanhã, é muito diferente da atitude de quem bate a porta nas costas do outro porque o relacionamento chegou ao fim. E ainda, o gesto de quem se despede de um familiar porque vai morar em outro país e não tenha previsão para retornar, é muito diferente daquele que se despede com a certeza de que não voltará a vê-lo nunca mais.
Como será a despedida do prisioneiro que não verá mais sua esposa porque irá pagar sua pena de morte daí a instantes? E do filho que vai partir e tem certeza que não verá mais seus pais com vida? E da esposa amada ao ver o rosto do seu amor pela última vez no caixão que está sendo lacrado? E da jovem apaixonada que entrega de volta sua aliança porque o seu noivo resolveu viver com outra? E do favelado que vê seu barraco sendo destruído pela enxurrada que caiu? E do suicida se olhando no espelho com a arma apontada para a própria cabeça?
Não sei quem disse que a despedida é a imagem da morte, mas possui razão tal pensamento, pois ontem mesmo, revirando o baú da memória descobri que sou órfão, viúvo, carente e abandonado por inúmeras coisas que já se despediram de mim. As fotografias são sinais dos muitos de mim que partiram e não voltam mais; as cartas de amor enlutecem a paixão que se foi; pequenas recordações entristecem um tempo que não pode mais ser revivido. Tudo já se despediu, foi embora. Mas o que dói, o que realmente machuca, é ter que dar adeus a mim mesmo a cada instante que passa.



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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