O EVANGELHO DO DIA SEGUINTE
Rangel Alves da Costa*
São palavras cravadas na pedra, não se pode negar: As ações de hoje refletirão amanhã, no dia seguinte. O lavrador sulca a terra, espalha a semente e dorme tranqüilo deixando a natureza acontecer; o jardineiro rega a flor que vai brotando porque amanhã será primavera; o homem cansado de lutar dignamente no cotidiano, adormece para acordar com alegria e mais disposição; a mão que foi erguida para doar jamais estará vazia; o bem que foi semeado retornará sem ninguém pedir fartura; o mal praticado não espera nem o amanhã acontecer. Assim, tudo o que se faz hoje será refletido no espelho do amanhã, com suas feições de alegria ou de dor.
Como se pode observar, a vida é feita de conseqüências: do ato virá o reflexo, da ação surgirá a reação. Não é admitido a ninguém – ninguém mesmo – ignorar que suas ações, práticas, atitudes e condutas são realizações passageiras e que serão apagadas da memória dos instantes seguintes. Inadmissível porque, mesmo que o indivíduo não queira exteriorizar sentimentos pelo que fez, ainda assim a sua mente reterá tudo como num baú que será preservado para a posteridade. Contudo, existirá sempre a tentativa de fugir dessa realidade. Daí se voltarem somente sobre as boas lembranças, sobre os momentos de felicidade, sobre as ações heróicas de um ser invencível.
Pelo que relatam, ninguém jamais pecou, errou, fez o mal ao próximo. Que mentiroso é esse heroísmo que padece, sangra por dentro, simplesmente por não querer reconhecer a imensa fragilidade do homem. Quantos reconhecem a insustentável leveza do ser e fazem disso uma escada para o arrependimento, para a humildade, para subir aos céus procurando forças para transgredir menos sobre a terra e, lá no alto, tocar o dedo de Deus. Vai filho, reconhece os erros e procure caminhar pelas difíceis veredas do bem. E espinhosos são os caminhos do bem, pois do contrário a felicidade não seria buscada a duras penas. É por isso mesmo que muitos fogem da estrada e se perdem tentando colher as flores do mal que estão ao alcance.
Quem dera se no dia seguinte, assim como pregam os evangelhos, somente boas novas fossem anunciadas. Quem dera se igual aos apóstolos Mateus, Marcos, Lucas e João, o homem atual pudesse revelar para o mundo que os atos de ontem dignificaram sua condição de semeador de grãos produtivos sobre a terra. Tudo que fecunda da terra alimentará o indivíduo segundo aquilo que ele semeou. Não há que se esperar colheitas de paz, alegria, bem-estar, sossego, felicidade e amizade se a semente jogada na terra árida da perdição já estava também apodrecida.
Mateus ensinou o quanto é árdua a luta para se alcançar o reconhecimento pelas boas ações, tendo que vencer as mais terríveis tentações que se apresentam, pois mais tarde virá a boa nova como profecia concretizada na crença da valorização do homem. Valorização "Porque é do coração que provêm os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, as impurezas, os furtos, os falsos testemunhos, as calúnias" (Mt, 15,19).
Marcos nos legou a lição de que não há poder maior que possa superar o desejo do homem de vencer os desafios que lhes são impostos, muitas vezes tendo que padecer terrivelmente para depois ressuscitar com inesgotável força. A morte e ressurreição de Jesus é exemplo disso, segundo Marcos. Cada palavra falada e escrita do evangelho de Marcos é espelho que reflete a vida de maneira prática: "vencendo a tentação da ganância com a partilha, vencendo a tentação da dominação com o serviço e vencendo a tentação do orgulho com a humildade" (Mc, 9,42-50).
Lucas nos lembra que a vida em sociedade, entre os povos e as nações, deve ser de compaixão e esperança, seguindo o exemplo do amor compartilhado por Jesus entre todos. Por isso mesmo que prega a paz e reafirma a necessidade de que todos se irmanem na construção do bem comum. É a visão universal sobre o bem que reacende nas palavras de Lucas: ""Digo-vos a vós que me ouvis: Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, abençoai os que vos maldizem e orai pelos que vos injuriam. Ao que te ferir numa face, oferece-lhe também a outra. E ao que te tirar a capa, não impeças de levar também a túnica. Dá a todo o que te pedir; e ao que tomar o que é teu, não lho reclames. O que quereis que os homens vos façam, fazei-o também a eles" (Lc, 6, 27-31).
São João, por sua vez, procura mostrar que ao homem não é dado o direito de pecar por falta de ensinamentos, pois as lições, os exemplos sobre as grandes virtudes e os norteamentos para uma vida segura com a fé em Deus estão nas Escrituras, na Igreja e no próprio homem. Daí afirmar: "Em verdade, em verdade, vos digo: aquele que crer em mim fará também as obras que eu faço, e fará ainda maiores do que estas; porque vou para o Pai" (Jo, 14, 12).
Assim, se indeciso pelo amanhã que virá, não seria demasiado pedir ao homem que mesmo assim vá, ao amanhecer, com o seu cesto de responsabilidades colher os frutos saudáveis ou apodrecidos. Não somente colha-os como também os experimente, pois neles estará o sabor que merece sentir pelas ações praticadas ontem.
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário