NO REINO DO REI MENINO – XIX
Rangel Alves da Costa*
Ao contrário de Gustavo, cuja serenidade era também demonstração de segurança, o feiticeiro Bernal era pura inquietação. Não conhecer os fatos com antecedência lhe causava estranheza e preocupação, afinal, além de ser amigo do rei era também amigo dos poderes mágicos, da magia. E logo o seu amigo rei quem impedia de saber antecipadamente o que iria acontecer dentro de instantes. Isso era uma afronta aos feiticeiros do mundo inteiro, cismou. Ah! se fosse outro, pensou.
- Bernal, seu feiticeiro enganado, guarde essa cara de não sei o quê para os seus anões e mande entrar todos os meninos, mas depois que eu explicar o que pretendo retire-os novamente e faça entrar dez de cada vez, e faça com que fiquem em pé junto àquela mesa grande, pois chegou a hora da escolha – Falou sorridente o pequeno rei.
- Mas majestade, me perdoe, mas só cumprirei as suas ordens se me disser agora mesmo o que tem em mente para fazer a tal escolha. Preciso saber para poder estar pronto para ajudá-lo se algo der errado. Além disso... – E o feiticeiro foi interrompido pelo menino:
- Está bem, vou dizer: vou escolher aqueles que mais acertarem pedras em você, lá nos fundos do castelo. E agora, está satisfeito?
- Mas majestade, logo eu que... – começou a resmungar o feiticeiro, de cabeça baixa e entristecido.
- O primeiro a jogar pedras serei eu, e umas bem grandes. Mas vai logo ex-poderoso e faz entrar rapidamente esses meninos – falou o zombeteiro e sorridente Gustavo.
E lá foi o feiticeiro, pensando que aquilo era verdade e que chamaria os seus próprios algozes para lhe apedrejar. Os invisíveis seres das florestas soltaram uma ruidosa gargalhada bem nos ouvidos do desditoso homem. Era triste de se ver as feições do feiticeiro.
Assim que os meninos entraram no grande salão, o feiticeiro, que vinha atrás meio estremecido, implorou ao rei para se ausentar por um instante, pois tinha algo inadiável para fazer. E Gustavo, sempre sorrindo, lhe chamou de lado e lhe cochichou ao ouvido. Ninguém mais sabe o que ele ouviu, mas a verdade é que Bernal ganhou nova cor, ficou todo esfuziante e alegre. Então o rei postou-se à frente de todos, tal qual um comandante militar, e começou a falar:
- Sei que vocês já sabem muito bem porque foram chamados até aqui. É que este reino, de um rei menino somente na idade, precisa de pessoas corajosas, inteligentes e audaciosas para tomar conta do seu destino. E por que, então, quero meninos da minha idade para me ajudar a tomar conta disso tudo, para trazer progresso para o reino e para todos os oninenses e, principalmente, para defender nossos bens e nossas vidas desses miseráveis saqueadores, que vez por outra tentam nos atacar? Simplesmente porque confio na sinceridade, no vigor e na vontade de agir da juventude. Por isso mesmo, os que forem escolhidos passarão a viver no palácio e cada um terá a responsabilidade de fazer aquilo que depois determinarei. Estão prontos então?
- Que Deus o salve, meu rei, mas o que teremos que fazer para demonstrar que somos capazes? – Perguntou educadamente um dos candidatos.
- Pois bem. Estava esperando mesmo essa pergunta. Há instantes atrás, quando eu estava passeando pelos campos, foi até lá um cavaleiro da guarda real para informar que vocês tinham invadido o castelo, entrado nos aposentos e bagunçado tudo. As provas ainda estão aí, por todos os lados, vez que tudo continua como vocês deixaram. Olhem só que coisa feia. O que quero que façam então é o seguinte: cada um de vocês tem até cinco minutos para colocar no local e deixar como estava antes tudo aquilo que indevidamente foi desarrumado, espalhado ou remexido. Mas vejam bem, cada um só vai consertar o que deixou desconsertado. Agora retirem-se novamente e quando forem chamados formem grupos de dez e entrem. Depois que eu ordenar é mãos à obra.
Começou assim uma incansável correria pra cima e pra baixo do castelo. Cada novo grupo que chegava para participar ouvia as mesmas palavras e as mesmas ordens do rei. O primeiro grupo terminou o seu trabalho dentro dos cinco minutos e foi esperar o resultado nos fundos do castelo; o segundo grupo terminou em quatro minutos; o terceiro terminou os afazeres em três minutos; o quarto concluiu em dois minutos; o quinto finalizou em um minuto; e o sexto e último grupo em menos de um minuto já estava de volta, estes afirmando que não tinham mais nada para fazer.
Assim, ao término dos trabalhos Gustavo mandou que Bernal reunisse novamente todos os meninos no salão. Havia chegado o momento da decisão. E o rei começou a expor suas impressões sobre o que tinha visto:
- Parabéns a todos vocês, pois parece que todos cumpriram as tarefas conforme ordenei. Mas antes de decidir quais serão os escolhidos tenho algo a dizer: Vocês lembram que avisei que cada um só deveria refazer aquilo que tinha desfeito. Com certeza também sabem que cada grupo que foi se seguindo ao outro terminou seu trabalho mais rápido porque os outros grupos já tinham feito aquilo que deveria ser feito pelos membros do novo grupo. Assim, o que posso dizer é que não cumpriram a tarefa como deveriam. O primeiro grupo fez mais do que deveria fazer e o segundo também, enquanto que o terceiro e o quarto já fizeram menos do que deveriam, e assim por diante, até chegar a um, que foi o último, que não fez nada. E será que os membros desse grupo não bagunçaram também? Mas o pior eu vou dizer agora: quem foi que deixou este grande salão no estado em que está e que esqueceu de ajeitá-lo todinho novamente?
Nesse instante todos os meninos ficaram sem jeito, pasmos e cada um olhando para o outro sem saber o que fazer ou dizer. Alguns simplesmente baixaram a cabeça envergonhados e urinaram nas calças, ali mesmo. Se Bernal estivesse entre eles talvez tivesse feito o mesmo, pois demonstrava estar totalmente atordoado. Que quiproquó, pensou. Mesmo nesse vexatório estado, o feiticeiro perguntou ao rei:
- E agora majestade?
continua...
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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