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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 1 de março de 2010

ESPELHO MEU, ESPELHO TEU

ESPELHO MEU, ESPELHO TEU

Rangel Alves da Costa*


Mentira, pois há muito tempo que o espelho da nossa vivência não reflete mais nada. Aquilo que vê ali na moldura e pendurado na parede não é um vidro espelhado, mas somos nós turvamente estáticos e adormecidos, feito fotografia que o tempo achou por bem esconder o olhar e o sorriso. Por isso é mentira, porque quando nos deixamos de refletir um no outro, também o espelho deixou de espelhar.
Talvez você tenha esquecido, mas éramos espelho brilhante, reluzente, fulgurante. E éramos espelho vivo, desses que refletiam bem a face alegre que tínhamos, o sorriso verdadeiro que sorríamos, a alegria partilhada e compartilhada que vivíamos. E éramos espelho de límpidos reflexos e nítidas imagens porque sabíamos enxergar e compreender o que e quem estaria do outro lado. Era sempre a imagem de um visto pelo outro, era sempre o reflexo de um no outro, e era sempre a mesma face vista, vez que éramos dois num só.
Ninguém encobriu o espelho, ninguém propositalmente o deixou encoberto de poeira; ninguém jogou uma pedra num instante de raiva e quebrou o espelho; ninguém o tirou do lugar e colocou onde refletisse apenas o que quisesse; ninguém deixou a parede fragilizada para o espelho tremer e estilhaçar; ninguém o escondeu por medo dos raios e das tempestades. Não, ninguém, mas alguém sabia que o espelho estava com os seus dias contados. E se não o procuramos mais para enxergar nossas alegrias é porque nós dois sabíamos.
Há quanto tempo o espelho não é a nossa voz, a nossa angústia, a nossa tristeza, o nosso sentimento, o nosso amor? Há quanto tempo não lemos ou vemos no espelho "eu te amo", "volto num instante", "te quero demais", "não esqueça tua flor meu jardineiro", "me olhei e te enxerguei", "estou do outro lado te olhando e desejando". Cadê o batom que beijava o espelho?, cadê o batom que riscava o espelho?, cadê o batom que era a nossa voz? cadê o espelho?
Primeiro você você, depois quase você, mais tarde um resto de você e depois você sumiu. Primeiro eu não percebi, depois não quis sentir, mais tarde não te encontrei e depois nada entendi. Nenhuma palavra mais no espelho, nenhum reflexo bom no espelho, nenhuma alegria no espelho, nenhuma imagem. De repente, simplesmente o espelho sumiu ao olhar que queria enxergar e compreender. Era somente algo na parede e nós sem tentarmos, ao menos, desembaçar o espelho. E para que, se estávamos também embaçados?
Lembra daquele poema que diz

Refletem
sóis, arrebóis, girassóis,
fatos, retratos, teus atos,
histórias, memórias, inglórias.
Reflete tudo no espelho
que deixei embaçado ao lado.

Espelham
tardes, verdades, saudades,
tristezas, incertezas, fraquezas,
esperanças, andanças, mudanças.
Reflete tudo no espelho
que estava ao lado e foi quebrado.

Retratam
caminhos, moinhos, espinhos,
dores, desamores, rancores,
momentos, lamentos, tormentos.
Refletia tudo no espelho
que foi quebrado comigo espelhado

parece que reflete esse instante, esse momento onde buscamos compreender porque deixamos quebrar o espelho com nossa vidas espelhadas.
Mas não há mistério algum para que esse espelho não exista mais. Quando quisemos enxergar e ver refletido somente nós mesmos é porque não havia mais sentido num espelho que só sabia refletir nós dois. Se o espelho deixa de ser luz é porque acabou o amor. Esse amor que preciso que seja novamente iluminado.
Trago na memória da saudade um espelho e ele está chorando, sei porque também estou sentido.



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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