NO REINO DO REI MENINO – XXVI
Rangel Alves da Costa*
O pequeno rei Gustavo certamente que daria algumas moedas para saber qual tinha sido a reação do governante de Edravoc ao ter recebido sua resposta. Não imaginava, porém, o triste fim que foi reservado para o corajoso mensageiro e nem que o rei baixinho, para se acalmar do ataque de fúria e raiva incontidas, ordenou que trouxessem à sua presença dois prisioneiros, que foram covardemente espancados até que o seu arrebatamento de violência fosse se transformando em gargalhadas doentias.
Enquanto isso, Gustavo traçava mil planos mirabolantes no seu pensamento. Para se distrair, dava um banho atrás do outro no seu camaleão, depois enxugava ao sol e mandava-o correr na areia. Mesmo assim não tinha jeito, sabia que precisava fazer alguma coisa urgentemente, colocar em ação algum plano que tivesse efeito imediato. Mas qual efeito e sobre o que? Na dúvida, resolveu tomar várias decisões ao mesmo tempo. Chamou o seu fiel escudeiro e explicou-lhe direitinho o que pretendia, ordenando que o mesmo tomasse as providências cabíveis:
- Bernal, meu caro feiticeiro, você sempre foi útil e ainda será muito mais, pois quero que você encontre no reino uma pessoa experiente, corajosa, que tenha facilidade de se disfarçar bem e que conheça os meus pais. Traga esta pessoa à minha presença o mais rápido possível que preciso lhe dizer tudo o que pretendo e o que deverá fazer. Outra coisa. Diga aos meus jovens auxiliares que se mudem para cá com urgência, pois numa necessidade mais imperiosa não se pode perder tempo mandando chamar um e outro não. Tudo que precisam vão ter aqui, então é aqui que devem estar. Ademais, amanhã logo cedinho, após uma breve caminhada pelos campos para apreciar a natureza, preciso ter uma reunião séria com eles, e é coisa de vida ou morte. Só mais uma coisa por enquanto: logo mais quando a lua sair iremos até a torre do castelo e quero que você dê provas de que continua com os poderes da magia e amigo do desconhecido, pois quero que você veja, naquela sua bacia cheia de água, e na minha presença, como andam os meus pais, se estão bem, se estão correndo perigo ou não. Como eu disse, só isso por enquanto.
- Mas majestade, com relação a encontrar a pessoa para ir até aquele reino e mandar que os novos auxiliares se mudem de vez para cá, até aí tudo bem, pois é muito fácil, contudo não posso prometer nada com relação ao último pedido... – Tentava explicar o feiticeiro, quando foi interrompido pelo rei:
- Não é pedido algum, é uma ordem seu desastrado – Reafirmou Gustavo.
E Bernal continuou, tentando desvencilhaçar-se de tal obrigação:
- Mas entenda bem majestade, o problema é que não depende somente de minha pessoa. Essas coisas da magia dependem de forças superiores poderosíssimas e nem sempre estas entidades estão disponíveis ou aptas a colaborar, principalmente com um humilde seguidor como eu, que na teia das forças enigmáticas ainda nem teci o primeiro fio...
- Então está bem, que seja assim, mas já estou avisando que a partir desse instante está rebaixado à condição de treinador dos crocodilos do calabouço do castelo. Além disso, faça o favor de colocar sobre esta mesa as chaves da torre, pois está impedido de, ao menos, subir até o local para buscar qualquer coisa que tenha guardado lá... – Ameaçou o pequeno rei, dando as costas ao pobre feiticeiro, que a essa altura já estava de joelhos, implorando.
- Tudo majestade, tudo, menos virar comida de crocodilo, eu imploro. Tenha piedade desse pobre serviçal que tudo faz pelo reino...
- Você disse tudo pelo reino?
- Tá bem majestade, você conseguiu. Confesso que você sabe muito bem deixar qualquer um sem saída. Então dentro de instantes seguiremos para a torre, e que Deus e os deuses da magia me protejam quando eu estiver lá.
O pequeno rei sorria de se acabar com os lamentos do desventurado feiticeiro. Gostava de Bernal, mas sabia que em determinados momentos tinha que se exceder, mentir um pouco, chantagear, de modo a fazê-lo obedecer. E não durou muito, quando a luz despedia-se do dia lá se foram os dois em busca do desconhecido, entrar no mundo da magia.
Todos os procedimentos mágicos para adentrar no reino do desconhecido o feiticeiro gostava de fazer sozinho. Isto lhe dava a calma necessária e o envolvimento espiritual que os encantamentos requerem. Mas naquele momento tinha que fazer todos os preparativos bem na presença do pequeno rei, que não largava o seu pé. O pior é que tinha medo de, danado como era o garoto, pensar que tinha aprendido alguma e tentar fazer sozinho em outras ocasiões. Qualquer erro poderia ser desastroso, sabia.
Assim, após acender velas e incensos, encher a bacia com uma água da mais pura limpidez, colocar sobre ela grande quantidade de pós e óleos derramados de frascos cuidadosamente guardados e de outros preparos iniciais e da invocação aos espíritos encantados, deuses mágicos e seres das florestas, Bernal avisou ao amigo que lhe desse a mão e procurasse se concentrar intensamente, elevando o pensamento para imagem dos seus pais e disse ainda: "A situação deles será mostrada pelo comportamento da água. Se ela ficar calma ou com pouca agitação será sinal de que estão bem, do contrário será situação de perigo. Mas somente eu poderei vê-los no espelho dessa água turva. Mas não se preocupe que relatarei tudo depois".
Faíscas de relâmpagos cortaram o horizonte, trovões começaram a ser ouvidos, sons estranhos povoavam o lugar. E sob a luz das velas a água começou a se agitar com uma intensidade jamais vista. Não eram bons sinais.
continua...
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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