SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 7 de julho de 2016

A MENINA DOENTE E A TRANSITORIEDADE DA VIDA


*Rangel Alves da Costa


A menina está doente desde antes de 1885, quando foi retratada pela sensível e emotiva genialidade de Edvard Munch. Obra-prima da pintura universal, a representação possui qualidade maior não apenas por ter surgida da paleta do artista de O Grito (o famoso quadro onde uma pessoa caminha espantada sobre uma ponte, com as mãos na cabeça, olhos saltados e a boca em grito), mas pela simbologia transmitida através da imagem da menina doente e a aflição de sua mãe.
Sempre demonstrei especial interesse pelas pinturas que vão além de retratações para explorar, através de simbologias, os sentimentos, as angústias, as tristezas e a solidões humanas. Aprecio muito - e isso me toma um tempo danado em frente aos retratos - os quadros onde Rembrandt retrata filósofos e religiosos nos seus mundos solitários, nos seus ambientes monásticos, permeados pelo claro-escuro, que é o próprio contraste da vida. As naturezas-mortas também não deixam de expressar reflexões acerca dos abandonos.
Contudo, já faz algum tempo que venho me encantando com uma magistral obra do expressionismo alemão, até mesmo despretensiosa para muitos, intitulada A Menina Doente onde o pintor norueguês Edvard Munch, retrata a angústia, o desespero e a dor de uma mãe ao lado do leito de uma menina enferma. Desenvolvida originalmente em litografia, um tipo de gravura feito a partir de um desenho matriz, alcançou fama exatamente pela expressividade da situação retratada.
Tal expressividade, contudo, possuía sua razão de ser. Munch simplesmente transpõe uma dolorosa situação familiar, pois na tela a mãe e a irmã do próprio pintor, sendo que esta acabaria morrendo de tuberculose aos quinze anos. Ali o artista transformado em testemunho de um sofrimento que se forjou em arte. Difícil imaginar o irmão e filho retratando tamanha aflição e, certamente de mãos trêmulas, dar posteridade a uma vida tão efêmera. E que situação mais triste, meu Deus!
Na obra, toda construída com riscados fortes e de cores escurecidas, muitas vezes chegando ao negro para expressar o sentimento doloroso mais aproximado à situação reproduzida, logo se vista um quarto onde repousa uma enferma. Nela vê-se uma jovem de pele clara (ou seria da palidez doentia?), cabelos lisos em tons avermelhados, vestida de negro, com mangas que chegam até os pulsos, com feições ainda de reconhecida beleza, deitada no seu leito, com os braços estendidos sobre uma colcha também escurecida e o rosto levemente voltado para uma mulher que segura na sua mão.
A menina se esforça para não demonstrar seu real estado, pois possui no semblante uma aceitação até confortante de sua frágil condição, tão própria dos enfermos que parecem querer consolar os outros mesmo em padecimento e proximidade do fim. Mas a mulher ao lado, sua mãe, é a mais pura demonstração de angústia e aflição. Sentada ao redor do leito, segurando com as duas mãos a mão esquerda da filha, na sua cabeça baixa e no seu corpo curvado reside toda a dramaticidade refletida pelo artista.
Não precisava que ela levantasse a cabeça para dizer de sua dor lancinante, nem deixasse os olhos à mostra para dizer de suas lágrimas incontidas. É uma mãe sim, e ali sua filha, e ambas velando a mesma dor dos que já se reconhecem partidos. Um consolo de mãe, um conforto de mãe. Mas que consolo, que lenitivo, que carinho, se a mais completa desconsolação recai sobre a própria mãe que chora, que grita por dentro, que não sabe mais o que fazer diante daquela situação?   
A pintura, pela sua expressividade e utilização de cores fortes e sombrias para descrever tanto a situação psicológica como o ambiente de convalescença, possui muitos adeptos, ainda que não iniciados na crítica de arte. Raquel Lautenschlager Santana, em texto intitulado “A Menina Doente”, publicado no site Belas Artes Médicas, (http://belasartesmedicas.blogspot.com/2011/09/menina-doente.html), assim se expressa sobre a pintura de Munch:
“Hoje acabei lembrando-me de um quadro de Edvard Munch intitulado ‘A Menina Doente’, que representa os últimos dias da irmã do pintor, que acabaria por falecer devido a um quadro de tuberculose. Neste quadro, há um predomínio de tons sóbrios e escuros, como as paredes e as vestimentas cinzentas das personagens, entretanto o fundo sobre o qual a menina repousa (o travesseiro) é luminoso. Tal luminosidade reflete o semblante da menina, que não parece enraivecida com sua condição. Muito pelo contrário, parece compreender a transitoriedade da vida”.
É isso mesmo, a transitoriedade da vida. E fico me perguntando e com raiva de mim mesmo, e daquele tempo e de tudo: por que aquele copo com remédio colocado num canto da mesinha não curou a menina doente? Tens razão, mãe, com sua dor. É a transitoriedade da vida. Sempre dói muito, mas é a vida em sua brevidade.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

Um comentário:

Ana Bailune disse...

Olá, Rangel.

Confesso que, antes de ler o texto todo, eu achei que a menina doente fosse a outra, inclinada sobre o ombro da que está na cama. A menina doente parece saudável, a partir do momento em que não está lamentando sua condição, e demonstra mais força de espírito do que a mãe, que está arrasada.

Uma linda pintura.