*Rangel Alves da
Costa
Mesmo sem
compreender o contexto histórico no qual teve vez e voz, ainda assim grande
parte das pessoas logo renega o termo coronelismo. Soa sempre como um tempo
onde senhores potentados tratavam seus subordinados como se bichos fossem, ou,
quando muito, como meros sabujos às suas mais escusas intenções. Contudo,
bastaria lançar um olhar sobre o tempo presente e compreender que suas sombras
ainda permanecem insepultas.
Aquele
tempo histórico, onde o mandonismo, aliado ao abuso e prepotência,
caracterizava as relações sociais entre fracos e fortes, entre poderosos e
submissos, agia para a manutenção de um poder a serviço de poderes maiores,
principalmente políticos, parece não ter acabado com o fim do coronelismo
patriarcal. Pelo contrário, se arrastou entre escombros e acabou ganhando
sobrevida nas novas formas de organização social. O coronel de agora é outro,
mas com a mesmice do mando, ainda que com menor poder de obediência.
O senhorio
exercido das casas-grandes, dos casarios, dos casarões e outras fortalezas
fincadas nos latifúndios ou feudos modernos, é o mesmo senhorio encastelado nos
gabinetes de agora. Entretanto, aquela autoridade construída pela força, pela
vindita de sangue, pela riqueza, poder e gestação de influências, deu lugar a
uma autoridade forjada nos cargos, funções e bajulações. A não ser o
autoritarismo herdado na própria fortuna, todo o restante é alicerçado no papel
exercido, seja social ou político.
Mas, no
todo, de ontem para hoje, mudaram apenas algumas nuances. Modificaram-se os
conceitos, porém permaneceram as formas. A bengala medonha e temida foi
transformada em caneta dourada. A chibata e o açoite acabaram se transmudando
em veladas perseguições, injustiças premeditadamente praticadas e acossamento
de todos aqueles que critiquem ou se insurjam contra suas formas de atuação. E
os casarões foram apenas transferidos para prédios suntuosos e seus gabinetes
impenetráveis.
A verdade
é que o coronelismo continua tão arrogante como antigamente. Despiram-se do
terno de linho branco, do chapéu panamá, das botas de cano afivelado, do
charuto no canto da boca, mas se revestiram de patentes doutorais, de anéis brilhosos,
de ternos importados, de togas, de mantos endinheirados, de dignificações do
poder. E por isso permanece tão vivo como antigamente. Depuseram-se as ordens
de sangue, as sentenças de morte, as licenças jaguncistas para a tocaia, mas
retomaram-se as resoluções imperiosas, os cumprimentos sem negação, as
canetadas prestigiosas, as medidas justificadas somente pelo poder.
Aquele
coronel de casa-grande, de reinado na varanda e senhorio de terra e gente, já
não existe mais. Do mesmo modo, já não pertence ao mundo dos latifúndios aquele
senhor dono do voto e do mundo, aquele dono de curral de submissos. Mas
restaram outros coronéis não menos poderosos. O coronel do poder exercido
através apenas de um telefonema, da decisão absurda, da ordem imperiosa, do
desfazimento do feito, da influência política, da conta bancária e do prestígio
social, político e perante as instituições.
Qual o
mais valente dos coronéis? Nenhum dos dois. Tanto este como aquele se valem
apenas do escudo do poder, do prestígio, da influência. Aquele se utilizava do
jagunço, do capataz ou matador para exteriorizar o seu ódio e sua maldade. Este
se utiliza do próprio poder para limitar o destino e a sina de todos aqueles
que lhes servem por submissão. Empregados, subservientes, dependentes de suas
ordens. Sua valentia só tem validade quando ordena, pois depois se esconde por
medo.
Qual o
mais poderoso dos coronéis? Certamente aquele, que mantinha o poder político em
suas mãos, fazia e desfazia governantes, interferia em toda a vida da nação. De
sua cadeira de balanço na casa-grande, bastava enviar uma ordem para tudo se
amoldar ao seu gosto, e dando na cusparada um prazo de cumprimento. Este de
agora só tem o poder - ainda que quase ilimitado - na sua esfera de atuação.
Também elege e faz derrotar, mas sem força suficiente para se manter como dono
dos destinos da política. Outras vezes, com império somente até onde sua força
não encontre uma força ainda maior.
Qual o
mais perigoso dos dois. Sem dúvida que este de agora, pois muito mais frio,
mais falso e muito mais covarde que o coronel de antigamente. E, por ser tão
covarde, agindo somente pelo escudo do cargo, função ou riqueza, é que se torna
tão mais perigoso. E principalmente se o poder ostentado não for por
merecimento ou se estiver amoldado à sua postura de oportunista. E perigoso
demais porque não mede consequências para agradar o poder maior e garantir sua
permanência no pedestal rente ao chão.
Mas em
todos, ainda o açoite, ainda a chibata. Em todos, ainda a desmedida arrogância
e o abuso irrefreável. E a pessoa comum, ou mesmo um degrau abaixo de sua
hierarquia, será sempre o escravo, o submisso, o perseguido. E não é difícil encontrá-los
por aí. Toda vez que ecoar um “sabe com quem está falando?”, aí estará um
repugnante exemplar.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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