*Rangel Alves da
Costa
Poço
Redondo sempre foi meio inexplicável. A Rua de Baixo ficava em cima, enquanto a
Rua de Cima ficava embaixo. Também a Ponta da Asa, mas asa de que? Havia o
Tanque Velho sem jamais ter havido o Tanque Novo.
Trocaram a
data da emancipação política do município, do dia 25 de novembro mudaram para o
dia 23, como se um documento oficial pudesse ser desfeito a bel-prazer. Nasceu
Poço de Cima, já foi Poço de Baixo e agora é Poço Redondo. Certamente que
existia, mas ninguém jamais relatou ter avistado um jacaré no Riacho Jacaré.
Criou-se
uma lenda - e que muitos ainda reputam como verdade -, segundo a qual Zefa da
Guia já fez mais de cinco mil partos (isso há mais de dez anos) e que tem cerca
de três mil afilhados (isso também desde mais de dez anos). Até possa ser
verdade, mas é preciso muito cálculo (sempre de adição) para ser chegar a tais
números. Quantas mulheres da cidade, por exemplo, já tiveram seus filhos pelas
mãos da famosa parteira?
Só mesmo
em Poço Redondo para uma rua, agora avenida, já ter recebido mais de cinco
denominações. A atual Avenida Alcino Alves Costa já foi Avenida Poço Redondo,
Avenida 31 de Março, Rua de Baixo e Rua dos Vaqueiros, dentre outros nomes. Foi
forçada a ser 31 de Março, não vingou como Poço Redondo, e até hoje é comumente
chamada de Rua de Baixo.
A
homenagem a Alcino Alves Costa é merecida, vez que o ex-prefeito morou no local
e adquiriu o prédio onde hoje funciona a prefeitura municipal, na mesma
avenida. Mas igual merecimento teria se continuasse a ser denominada, de modo
oficial, como Rua dos Vaqueiros. Ora, ali moradia de grandes vaqueiros e
sertanejos do roçado e da vaqueirama: Mané Cante, Abdias, Liberato, Tião de
Sinhá e tantos outros.
Não há
como se esquecer das velhas calçadas e suas rendeiras. A renda não serviu
apenas como passatempo nas aragens do entardecer de mansidão como muito
auxiliou na sobrevivência familiar. Sentadas em bancos, tendo à frente outros
bancos com almofadas, as rendeiras de bilros, numa maestria de perfeição, iam
tecendo verdadeiras proezas. As mãos hábeis iam colocando o espinho pontudo na
marcação do papelão sobre a almofada, e enquanto a linha escorria o desenho
rendado ia surgindo. Assim pelas mãos de tantas Marias, de Araci, de tia
Mãezinha, de Neusa, de Dona Clotilde, de Cenira e de uma verdadeira colcha de
artesãs sertanejas.
Pirulito
bom só o de Dona Luisinha. Doce de leite só o de Noélia. Cocada de
cabeça-de-frade só a de Dona Cecília. Cocada branca e mole de janela só a de
Dona Quininha. Arroz doce de rua só o de Baíta. Pilombeta seca só a de Maria.
Peito de Véia de qualquer uma que tivesse geladeira. Cachaça pura, de engenho
mesmo, só a de Zé do Mel. Chocalho do bom só o de Galego do Alto. Roló do
legítimo, de couro cru, só mesmo o de Brasilino. Roupa de homem sob encomenda
só mesmo a de Zé de Bela. Caju roubado só mesmo o de Luís Doce.
Três irmãs
e a primazia da venda de tecidos, panos floridos, cortes por metro, rasgando na
medida certa. Minhas três tias: Conceição, Zabé e Mãezinha. Certa feita,
curioso que só, fui ouvir proseado de gente mais velha na bodega de Missiinha e
me sentei numa lata de querosene. A danada estava com líquido por cima e então
fiquei tomado de bolhas por uma semana. Mas bom mesmo era entrar nas pequenas
vendas e comprar mariola. No bar de Delino o biscoito Maria em lata. A cajuína
gostosa na venda de Chico Bilato.
Não havia
cozinha sertaneja que não tivesse alguma panela de barro, um pote ou purrão, da
lavra de Benvinda. Esta, sem dúvida, a maior artesã do barro da região
sertaneja. Pobre, morava numa casa de barro no mesmo local onde hoje seus
filhos mantêm residência, mas foi na sua arte de moldar argila que muita comida
boa surgiu dos antigos fogões de lenha. E também um tempo muito distante onde
sabão era feito nos quintais, com banha e cinzas. Dona Alice Feitosa era quem
mais sabia mexer o tacho e fazer vingar a pedra bruta do verdadeiro sabão.
Mas vou
ali. Vou ver onde mora o passado, Depois volto. Hei de voltar, sim. Com fé em
Deus!
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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