Rangel Alves da
Costa*
Zé Caveira
era o nome do homem. Ou ainda Faz-Defunto, Berro de Sangue e Alma Penada. Sob
quaisquer desses nomes respondia Serônio dos Santos, seu nome de nascimento.
Porém, muito mais conhecido como o maior jagunço que já pisou pelos sertões
nordestinos. Jagunço, matador, um carnicento em pessoa.
Era o
perigo em forma de gente, mas disfarçado de tal modo que ninguém dizia estar
diante do maior assassino de toda a região do Mundaréu. Silencioso, com quase
nenhuma palavra saindo na boca, esta só abria para encaixar o cigarro de palha
e cuspir amarelado. Quem via cara não via coração, como se dizia por lá.
Protegido
do Coronel Inacinho Quelemente, tinha carta branca para o cometimento de tantas
atrocidades. Sua fama de matador, de perigoso demais e dono de um gatilho que
não errava um tiro, não havia sido construída, contudo, sob as ordens do
patrão, mas noutras lides de tocaias e emboscadas.
Começou
sua vida de crueldades como pistoleiro de aluguel. Qualquer um que desejasse
ver um desafeto estrebuchado e sem vida, era só fazer paga ao odiento sujeito.
E por pouco. Qualquer quantia era valor suficiente para o acerto de morte. Mas
rejeitava saco cheio de dinheiro e promessa de propriedade se o futuro defunto
fosse padre. Deus me livre, padre dá um azar danado, dizia.
Mas acabou
dando fim a um vigário. E por besteira. Um dia, depois de muito pensar sobre as
tantas maldades praticadas, resolveu que o melhor a fazer era deixar aquela
vida de matador. E imaginou que aquela sina tinha algo a ver com falta de
batizado. Naquela idade e sem o sacramento do batismo. Sou um pecador, por isso
que tanto puxo o gatilho, revelou a si mesmo. E se danou rumou a igreja.
Foi
entrando e seguindo diretamente à sacristia. Quando viu pessoa tão mal
afeiçoada e malamanhada no seu recinto de oração e bebericagem, o coitado do
vigário quase que derruba uma garrafa de aguardente que tinha em mão. O que faz
aqui? Foi a indagação feita. Ao que o homem respondeu: Vim me batizar, é só
isso que quero.
Então o
padre encheu o copo, virou uma relepada e ajuntou: Impossível. Nessa idade, sem
padrinho, impossível. O senhor já passou do tempo de receber a água sagrada.
Acho que o senhor não sabe nem rezar um Pai Nosso. O que sabe fazer mesmo na
vida. E do cabra ouviu: Matar. E com isso aqui. E puxou uma arma para mostrar
ao da igreja o seu instrumento de trabalho.
Foi uma
morte terrível. Esbugalhando os olhos diante da arma, sem acreditar no que via,
o vigário levou a mão ao peito e desabou. Morreu de ataque, caído ao chão, mas
com o copo de cachaça seguro à mão. Sem saber o que fazer diante do inesperado
episódio, o matador retirou o copo da mão, colocou mais cachaça, bebeu tudo de
uma golada só, e saiu da igreja do mesmo jeito que entrou.
Já estava
na estrada quando o sino começou a anunciar a partida do vigário. E seguindo
foi em direção ao potentado do Coronel Tiburcino. Ao poderoso ofereceria seus
préstimos de matador, ao menos em troca de comida e um chão para dormir. Mas
não demorou muito por falta do que fazer. Já haviam se passado dois anos e somente
cinco emboscadas de morte. Coisa pouca demais para um gatilho acostumado a
muito mais.
Assim que
soube que o ex-jagunço de Tiburcino estava na porteira em busca de emprego, o
Coronel Inacinho nem pensou duas vezes. Mandou logo que entrasse, pois tinha
uma encomenda urgente. Ofereceu dinheiro e proteção, e em seguida disse que
precisava que desse cabo à vida daquele safado do Coronel Tiburcino. Mas ele
nunca mandou matar o senhor, disse o contratado jagunço. Mas quero que mate
ele, retrucou o nervoso coronel.
Deu um
trabalho danado, pois tocaia que durou três dias e três noites, até que o
coronel foi derrubado enquanto passava num alazão. Depois matou também o
coronel seu patrão. E só porque lhe encomendou a morte do novo vigário do
lugar. Não, esse não, pois esse vai me batizar. Foi o que disse antes de
atirar.
E saiu
tranquilamente esperando ser alvejado pelos outros jagunços. Mas que nada. Todo
mundo tinha medo dele. E seguiu adiante sem olhar pra trás. Uns dizem que
continuou matando, outros dizem que morreu de arrependimento. Ninguém realmente
sabe que fim levou.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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