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quinta-feira, 26 de maio de 2016

NO MUNDO DAS ASSOMBRAÇÕES


*Rangel Alves da Costa


Não faz muito tempo que aqui mesmo nesta página ofereci aos leitores o texto “Medos e assombrações”, relatando histórias, proseados e causos antigos sobre o mundo das noturnas e inexplicáveis aparições. Cuidei de pessoas que viravam bicho, do cavaleiro da noite, da procissão fantasma e outras medonhices que se tornaram constantes na oralidade popular.
Não demorou muito e o professor e radialista Vilder Santos me jogou pelo portão o livro “Assombrações do Recife Velho”, do genial folclorista e sociólogo Gilberto Freyre. Antes mesmo da chagada inusitada do presente, o próprio Vilder havia me falado da necessidade de escrever alguma coisa sobre as assombrações de Aracaju, relatando acerca das casas mal assombradas e outros episódios espantosos que marcaram épocas em velhos casarões e antigos sobrados.
Prometi que me debruçaria sobre tais episódios, mas para uma publicação futura, vez que somente contando com ajuda de memorialistas e pessoas de mais idade para conhecer as ocorrências, as localidades e os personagens. E é um assunto deveras palpitante, vez que a história de uma cidade é também a povoação dos seus medos e dos seus enfrentamentos do sobrenatural. Mas as assombrações da Aracaju antiga ficarão para outra empreitada.
Mas voltando ao livro de Gilberto Freyre, o seu “Assombrações do Recife Velho” possui como subtítulo “Algumas notas históricas e outras tantas folclóricas em torno do sobrenatural no passado recifense”. Em seguida, página a página, vai abordando sobre casos de assombração e casas mal assombradas. “O Barão de Escada, num lençol manchado de sangue”, “Uma rua inteira mal-assombrada”, “Assombrações no rio”, “O sobrado da Rua de São José”, “O visconde encantado” e “O sobrado das três mortes”, são alguns dos relatos do grande escritor de Casa Grande e Senzala.
Contudo, não só no Recife antigo, mas por todo lugar, proliferam os relatos sobre assombrações. Fato interessante é que os casos ou causos sempre envolvem o passado, e muitas vezes muito distante. E não raro que a oralidade, a contação de pessoa a pessoa, de geração a geração, vai transformando um mesmo episódio em muitos outros. A história de um padre que vira lobisomem, por exemplo, de repente passa a ser contada com outro personagem, como o filho malvado que bateu na mãe e passou a ter a desdita de se transformar em fera nas noites de lua cheia.
Nas minhas andanças interioranas aprecio muito ouvir tais relatos, sempre nas noites pelas calçadas ou pelos arredores dos pés de paus. Conheço muitos que gostam de prosear sobre histórias antigas, principalmente assombrações. Mas não faz muito tempo que um sertanejo, depois de contar um causo de um conhecido que simplesmente sumia na presença do inimigo ou perante aquele que não desejava avistar, prontamente se negou a revelar o segredo: “Você mais novo que eu, então sou impedido de dizer qualquer coisa sobre o que ele fazia para desaparecer de repente”.
Então outro aproveitava a deixa para emendar uma história de arrepiar: “Não sei se tá ainda de pé, mas até pouco tempo a casinha era avistada lá perto da solta do Riacho Largo. E lá nessa casinha acontecia coisa de não acreditar. Deus me livre. Não havia caçador ou mateiro que quisesse ao menos chegar perto. Mas quem não sabia de nada e desavisado passava por lá depois da boca da noite, certamente que não queria voltar nunca mais. Dizem que primeiro se ouvia um latido dentro da casa, sempre de porta fechada. Mas logo a porta se abria e aparecia um cachorro grande. Parava de latir e ia mansinho em direção ao viajante. Mas antes uns cinco metros se transformava num velho, no finado falecido dono da casinha, que começava a implorar para ser desenterrado. Como o cabra, morrendo de medo, já tinha espantado o cavalo com toda força, logo mais na frente o animal dava uma freada que só faltava revirar. Era o velho que estava adiante pedindo para ser desenterrado. Era o último pedido antes de sumir. E não demorava muito o cachorro começava a latir novamente dentro da casa”.
Outra história relata o seguinte: “Dizem que foi o sétimo filho depois de seis irmãs, ou a sétima filha depois de seis irmãos. E ao nascer os pais esqueceram de que um dos irmãos ou irmãs tinha de se tornar padrinho ou madrinha. Como assim não aconteceu, então passou a carregar o cruel desígnio de virar lobisomem, principalmente em época de semana santa. No período da transformação, procurava se distanciar da casa logo após o anoitecer. Seguia atrás de um capinzal ou de algum escondido onde pudesse rolar pelo chão e se estrebuchar todo até a fera surgir em seu corpo. Depois saía correndo pelos pastos e quintais em busca de alimento, geralmente galinha, cachorro, gato, cabrito ou bode. Não era difícil ser encontrado pelos quintais ou ao redor de chiqueiros. Mas se alguém, já conhecendo o bicho e a pessoa nele transformada, gritasse pelo seu nome, então o mundo desandava. Era como se um punhal atravessasse o seu peito e o bicho dolorosamente lamentasse sua sina”.
Assim o mundo das assombrações. E tantas são que estão por todo lugar. Até mesmo na casinha que o caminhante todo dia passa sem prestar maior atenção.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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