*Rangel Alves da
Costa
Não faz
muito tempo que aqui mesmo nesta página ofereci aos leitores o texto “Medos e
assombrações”, relatando histórias, proseados e causos antigos sobre o mundo
das noturnas e inexplicáveis aparições. Cuidei de pessoas que viravam bicho, do
cavaleiro da noite, da procissão fantasma e outras medonhices que se tornaram
constantes na oralidade popular.
Não
demorou muito e o professor e radialista Vilder Santos me jogou pelo portão o
livro “Assombrações do Recife Velho”, do genial folclorista e sociólogo Gilberto
Freyre. Antes mesmo da chagada inusitada do presente, o próprio Vilder havia me
falado da necessidade de escrever alguma coisa sobre as assombrações de
Aracaju, relatando acerca das casas mal assombradas e outros episódios
espantosos que marcaram épocas em velhos casarões e antigos sobrados.
Prometi
que me debruçaria sobre tais episódios, mas para uma publicação futura, vez que
somente contando com ajuda de memorialistas e pessoas de mais idade para
conhecer as ocorrências, as localidades e os personagens. E é um assunto
deveras palpitante, vez que a história de uma cidade é também a povoação dos
seus medos e dos seus enfrentamentos do sobrenatural. Mas as assombrações da
Aracaju antiga ficarão para outra empreitada.
Mas
voltando ao livro de Gilberto Freyre, o seu “Assombrações do Recife Velho”
possui como subtítulo “Algumas notas históricas e outras tantas folclóricas em
torno do sobrenatural no passado recifense”. Em seguida, página a página, vai
abordando sobre casos de assombração e casas mal assombradas. “O Barão de
Escada, num lençol manchado de sangue”, “Uma rua inteira mal-assombrada”,
“Assombrações no rio”, “O sobrado da Rua de São José”, “O visconde encantado” e
“O sobrado das três mortes”, são alguns dos relatos do grande escritor de Casa
Grande e Senzala.
Contudo,
não só no Recife antigo, mas por todo lugar, proliferam os relatos sobre
assombrações. Fato interessante é que os casos ou causos sempre envolvem o
passado, e muitas vezes muito distante. E não raro que a oralidade, a contação
de pessoa a pessoa, de geração a geração, vai transformando um mesmo episódio
em muitos outros. A história de um padre que vira lobisomem, por exemplo, de
repente passa a ser contada com outro personagem, como o filho malvado que
bateu na mãe e passou a ter a desdita de se transformar em fera nas noites de
lua cheia.
Nas minhas
andanças interioranas aprecio muito ouvir tais relatos, sempre nas noites pelas
calçadas ou pelos arredores dos pés de paus. Conheço muitos que gostam de
prosear sobre histórias antigas, principalmente assombrações. Mas não faz muito
tempo que um sertanejo, depois de contar um causo de um conhecido que
simplesmente sumia na presença do inimigo ou perante aquele que não desejava
avistar, prontamente se negou a revelar o segredo: “Você mais novo que eu,
então sou impedido de dizer qualquer coisa sobre o que ele fazia para
desaparecer de repente”.
Então
outro aproveitava a deixa para emendar uma história de arrepiar: “Não sei se tá
ainda de pé, mas até pouco tempo a casinha era avistada lá perto da solta do
Riacho Largo. E lá nessa casinha acontecia coisa de não acreditar. Deus me
livre. Não havia caçador ou mateiro que quisesse ao menos chegar perto. Mas
quem não sabia de nada e desavisado passava por lá depois da boca da noite,
certamente que não queria voltar nunca mais. Dizem que primeiro se ouvia um
latido dentro da casa, sempre de porta fechada. Mas logo a porta se abria e
aparecia um cachorro grande. Parava de latir e ia mansinho em direção ao
viajante. Mas antes uns cinco metros se transformava num velho, no finado
falecido dono da casinha, que começava a implorar para ser desenterrado. Como o
cabra, morrendo de medo, já tinha espantado o cavalo com toda força, logo mais
na frente o animal dava uma freada que só faltava revirar. Era o velho que
estava adiante pedindo para ser desenterrado. Era o último pedido antes de
sumir. E não demorava muito o cachorro começava a latir novamente dentro da
casa”.
Outra
história relata o seguinte: “Dizem que foi o sétimo filho depois de seis irmãs,
ou a sétima filha depois de seis irmãos. E ao nascer os pais esqueceram de que
um dos irmãos ou irmãs tinha de se tornar padrinho ou madrinha. Como assim não
aconteceu, então passou a carregar o cruel desígnio de virar lobisomem,
principalmente em época de semana santa. No período da transformação, procurava
se distanciar da casa logo após o anoitecer. Seguia atrás de um capinzal ou de
algum escondido onde pudesse rolar pelo chão e se estrebuchar todo até a fera
surgir em seu corpo. Depois saía correndo pelos pastos e quintais em busca de
alimento, geralmente galinha, cachorro, gato, cabrito ou bode. Não era difícil
ser encontrado pelos quintais ou ao redor de chiqueiros. Mas se alguém, já
conhecendo o bicho e a pessoa nele transformada, gritasse pelo seu nome, então
o mundo desandava. Era como se um punhal atravessasse o seu peito e o bicho
dolorosamente lamentasse sua sina”.
Assim o
mundo das assombrações. E tantas são que estão por todo lugar. Até mesmo na
casinha que o caminhante todo dia passa sem prestar maior atenção.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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