*Rangel Alves da
Costa
O Alto de
João Paulo é uma das comunidades mais antigas de Poço Redondo. Localizado a
cerca de um quilômetro após o Riacho Jacaré, com acesso por chão batido e com
dificuldades de chegada quando o riachinho bota cheia. Sempre serviu de
passagem daqueles que saíam da sede municipal em direção às outrora grandes
propriedades, a exemplo do Morro Vermelho e Riacho Largo.
Mas outros
tantos ali decidiram fincar moradia, não só pela localização privilegiada, pois
num terreno elevado, como pela facilidade de criação de pequenos rebanhos e a
proximidade da mata de muita caça e algum fruto. Os quintais, compridos,
imensos, se misturavam aos roçados e a mataria. Em determinadas estações, o
clima refrescante também se mostrava como um convite à permanência.
A
comunidade do Alto nasceu quase como um núcleo familiar, vez que a maioria dos
antigos moradores possuía parentesco comum. Durante muito tempo a povoação manteve
a feição de sertão empobrecido, com casas rústicas, levantadas no cipó e barro,
tendo o sombreado das grandes árvores como os locais de proseados dos
sertanejos depois da luta do dia.
Nos
arredores, as moradias das raízes dos Braz, dos Maximino, dos Mulatinho, dos
Sarmento, e tantos outros. Famílias com muitos filhos, criados fortes no
alimento da caça e da farinha seca, do feijão de corda e da carne de bode.
Todos hábeis no trabalho da terra, da foice, da enxada, da vaqueirama, do
trabalho em couro, no fole soprando a brasa para amolecer o ferro do chocalho.
Ali no Alto a arte de Galego, o ofício de moldar o ferro até o chocalho
tilintar bonito no pescoço da rês.
Só na
família de Paulo Braz São Mateus vieram ao lume sertanejo uma filharada de
perder a conta. João Paulo, Abdias, Humberto e os ex-cangaceiros Novo Tempo
(Du), Mergulhão (Gumercindo), Marinheiro (Antônio) e da famosa Sila (Ilda
Ribeiro de Souza), e certamente outros filhos e filhas. Não era diferente com
outros troncos familiares, pois até hoje as extensas linhagens estão presentes
em muitos sobrenomes da cidade.
Vida
difícil, de dura sobrevivência, mas leve e remansosa o suficiente à felicidade.
Ora, o povo do Alto sempre foi um povo alegre, festeiro, feliz, acolhedor. Um
de seus moradores mais famosos e que acabou tendo seu nome acrescido ao nome do
lugar, João Paulo, sempre parecia tomado de prazer incontido no reencontro de
amigos e conhecidos. Alto, esbelto, de chapéu de couro sempre à cabeça, já
despontava com uma boa palavra à boca.
João
Paulo, pelo seu jeito humano e afetuoso, aos poucos foi se transformando em verdadeiro
símbolo da comunidade, ainda que na povoação residisse, até 2002 (ano do seu
falecimento, aos 82 anos), um símbolo vivo da história nordestina: Maria Adília
de Jesus, a ex-cangaceira Adília, companheira de Canário até sua morte, pouco
tempo depois do fogo de Angico em 1938.
Enquanto
João Paulo e tantos outros se compraziam em brincar e bebericar aguardente com
raiz de pau, de pular o riacho e ir à cidade, Adília gostava de viver recolhida
na sua humilde moradia familiar, casinha de taipa, onde trouxe ao mundo os oito
filhos do seu casamento após a morte de Canário e o fim do cangaço. Somente
depois conseguiu levantar no tijolo outra moradia, quase ao lado da antiga. Ainda
hoje se avista a casa de Adília, recentemente pintada de verde.
Somente a
muito custo, Alcino Alves Costa, importante liderança política de Poço Redondo
e pesquisador da história do cangaço, conseguia trazê-la até a cidade, onde se
mantinha em proseado com Dona Peta e sendo considerada como da própria família.
Mas ao entardecer retornava à sua cadeira de balanço na sua povoação e às suas
memórias veladas em silêncio.
Ao longo
de sua história, a comunidade foi também conhecida pela fama de seus grandes
vaqueiros, uma gente que parecia nascida para a lida do gado, para correr atrás
de bicho desgarrado e para a vida catingueira. E ainda pelo grande número de
jovens que ingressaram no mundo do cangaço, tornando o Alto verdadeiro berço de
sertanejos predestinados aos caminhos sangrentos de outrora.
Atualmente
o Alto de João Paulo vem sendo muito transformado nos seus arredores. O antigo
núcleo habitacional continua o mesmo, diferenciando apenas na maioria das casas
de barro que deu lugar a novas moradias, coloridas e vistosas. O grande
diferencial está mesmo nas grandes construções que avançam estrada acima, até
beirar ao centro da povoação. São residências potentadas, grandiosas demais
para um local que continua sem asfalto, sem esgoto, sem a mínima
infraestrutura.
E chegará
o tempo, infelizmente, que o Alto será engolido pelo progresso. Assim já
aconteceu com o antigo campo de Luís Doce, o Luisão das tardes futebolísticas
de antigamente. E ficará somente a história. E o nome e os sobrenomes gestados
e que ainda permanecerão em muitas raízes.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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