*Rangel Alves da
Costa
A feira
interiorana, grande ou pequena, já começa ao entardecer do dia anterior.
Caminhões vão desembarcando produtos, feirantes vão ajeitando suas tendas e
barracos, por cima das bancas os fardos vão sendo abertos, os sacos são
empilhados, os cestos são arrumados. E tem até gente que aproveita a arrumação
para ir logo catando uma melancia, uma abóbora, um melão.
Durante a
noite inteira os feirantes se esmeram nos arranjos. Carregamentos e mais
carregamentos vão chegando, cada um vai levando seus produtos de venda para
seus espaços, e quando o dia amanhece já se encontra de tudo de ponta a outra.
E também pelos arredores, vez que as feiras de hoje vão tomando ruas, calçadas,
se espalhando por todo lugar. Sem falar no comércio permanente que é sempre
grande nas praças e imediações.
Atualmente,
com o aumento das populações e a disponibilidade maior de produtos, a feira em
si é dividida em muitos locais, segundo o que seja colocado à venda. Assim, se
fala em feira das verduras, das frutas, da farinha, do queijo e da manteiga,
das panelas, das roupas, das quinquilharias, do frango, da carne de porco e da
carne de gado. Tudo próximo um do outro, mas com locais de destinação
específica.
Pequenos
vendedores também aproveitam os espaços para instalar sua banquinha de qualquer
coisa. É assim que é possível encontrar o quebra-queixo, a cuia de araçá, o
arroz doce, o bolo de milho, o pé-de-moleque, o beiju, o malcasado, a pamonha,
a cocada branca e a cocada queimada, o doce caseiro, a gostosura diferenciada.
E também o comércio ambulante e seus anunciantes gritando as palavras tão
conhecidas: Olha a pomada de peixe-boi, sem igual na cura do reumatismo, da
erisipela, da doença das juntas, das inflamações da garganta e até para juntar
osso partido.
Mais
adiante outro grita: Quem vai querer óleo de tubarão, o melhor remédio para
todas as doenças do corpo e da alma. Cada frasquinho custa apenas três contos.
Levando dois só paga cinco contos de réis. Ou ainda: Venha experimentar e
adquirir a maior novidade chegada diretamente da Amazônia, feita por velho
pajé. Trata-se de uma porção milagrosa que misturada em copo d’água levanta até
defunto, e também sem igual na cura das palpitações do coração, enxaqueca e
desânimo de tudo.
Não é
difícil ainda encontrar barracas com livretos pendurados em barbantes e o
vendedor anunciando cordel de todo tipo, com pelejas que vão desde a chegada de
Lampião ao mundo da escuridão ao casamento da donzela com o broxado coronel. Não
há mais aqueles velhos retratistas com seus tripés mágicos e seus retratos em
preto e branco, mas ainda assim é possível encontrar a barraca cortinada para
fotografia instantânea e colorida. Com direito a três por quatro com gravata e
datação logo abaixo.
Mesmo com
alguns inconvenientes dos barulhos e dos apertos, não há nada mais prazeroso
que um passeio pelas opções das feiras interioranas. Encontra-se de tudo, do
esperado ao absolutamente inesperado. As provocações são tantas que é
impossível não se encantar com as melancias bonitas, vermelhinhas, apetitosas.
Assim também com as mangas, as jacas perfumadas, os melões maduros. Feijão de
corda, fava, milho verde, abacaxi, goiabas graúdas, banana de todo tipo. E quem
vai apenas com uma sacolinha, imaginando que não vai cair em nenhuma outra
tentação, acaba retornando quase sem poder carregar tanta coisa.
Outro dia,
caminhando logo cedinho pela feira de Poço Redondo, numa segunda-feira com
jeito de fim de semana, eis que pude reencontrar até mesmo a minha infância.
Jamais imaginaria avistar rosário de aricuri, feito de coquinhos enfiados em
linha, e quase uma brincadeira apetitosa que tanto fazia parte dos pescoços da
criançada sertaneja de outros tempos. Também o aricuri em casca, pronto pra ser
quebrado em calçada e levado à boca pedaço a pedaço. E também o vendedor de
passado, pois com mesinha contendo pião, carrinho de madeira e boi de barro. As
bonecas de pano eram tão bonitas que fiquei enamorado.
A música
Feira de Mangaio, letra de Glorinha Gadelha e Sivuca, traduz toda essa beleza.
Seus versos são tão verdadeiros como o que ainda se encontra por lá: Fumo de
rolo, arreio de cangalha, eu tenho pra vender, quem quer comprar? Bolo de
milho, broa e cocada, eu tenho pra vender, quem quer comprar? Pé de moleque,
alecrim, canela, moleque sai daqui me deixa trabalhar. E Zé saiu correndo pra
feira de pássaros e foi passo voando pra todo lugar. Tinha uma vendinha no
canto da rua, onde o mangaieiro ia se animar, tomar uma bicada com lambu assado
e olhar pra Maria do Juá...
Mas é
preciso muito cuidado. Um copo de arroz doce, depois um pedaço de bolo de milho
e uma colherada de doce batido, tudo isso vai fazendo uma diferença danada no
corpo. Contudo, impossível não experimentar os sabores e os cheiros das feiras
interioranas.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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