*Rangel Alves da
Costa
O título
faz lembrar um instante áureo do romantismo brasileiro. Com efeito, há uma obra
de Álvares de Azevedo (1831-1852) intitulada Noite na Taverna (publicação
póstuma em 1855), mas não noites, como acima consignado. De resto, o que
aproxima o presente texto do enredo daquele romance diz respeito ao mundo
noturno e as solidões fingidas nas tavernas da noite, nos botecos e botequins
da vida.
Noites na taverna
sintetizam o saudosismo e a nostalgia. Algo muito parecido com as noites nos
cabarés famosos, nas idas ao encontro de falsas francesas e louras tingidas
implorando mais um gole de rum. Ambientações sempre animadas, festivas, mas
sempre escondendo dores e sofrimentos, angústias e aflições, pois ali também
redutos de curas de males do coração e dos sentimentos.
A
realidade atual não mais permite a boemia, a vivência noturna enquanto prazer.
A violência e o medo afastam das ruas os noctívagos, os poetas das noites, os
apaixonados, os errantes aventureiros e todos aqueles com ânsia de balcão, de
tragos, de companhias passageiras. Tornou-se impraticável caminhar debaixo da
lua em direção à mesa de bar ou de ambientações cheirando a limão e mulheres de
perfume barato.
A vida
boêmia perdeu seu espaço social, seu fundamento de prazer e sua poesia noturna.
Há de se observar, contudo, que o viver boêmio já possuiu status de grande
importância. Muitos artistas, poetas, intelectuais e escritores, faziam das
noites nas tavernas suas principais ambientações de convívio com pessoas de
iguais talentos.
Reunidos
em mesas, de gravatas afrouxadas, cigarros entre os dedos e copos sempre à
boca, tornavam botecos e bares em ambientes verdadeiramente produtivos. Não
somente as discussões relevantes sobre os temas mais profundos, mas também a
criatividade aflorando a cada novo gole. Muitas canções famosas nasceram em
mesas de bares, nas madrugadas etílicas e insones.
Horas que
começavam já noite alta e avançavam pelas madrugadas. Ou mesmo após o
expediente e sem hora certa para beber o último gole e cambalear pelas ruas. Ambientes
escurecidos, balcões de bancos altos, mesas de bancos baixos, ora a música ora
a discussão, ora a prostituta flertando mais uma dose ora o batom avermelhado
sujando a gola da camisa branca. Enquanto as ruas adormeciam, silenciavam, lá
dentro nada tinha hora para adormecer, para dizer que havia chegado ao fim.
Poemas
existem que fazem recordar tais ambientações. A poetisa portuguesa Florbela
Espanca foi mestra na descrição das tavernas, das noites apaixonadas pelos
bares da vida, das paixões que afloravam após o noturno e se embebia do álcool
e do fumo. Alguns poemas remetem aos cigarros nas mãos, às fumaças tomando os
ambientes, aos copos cheios e vazios, aos olhos avermelhados da bebida e da
lágrima. “Fumo leve que foge entre os meus dedos...”, diz Florbela.
Os
retratos ainda mostram Vinícius de Moraes, Paulo Mendes Campos e tantos outros
renomados escritores, sentados às mesas das tavernas de seus tempos. O cronista
João do Rio, ele próprio um inveterado boêmio e homem da noite, descreve o Rio
de Janeiro antigo a partir das ambientações noturnas. Considerado repórter
maldito da noite carioca, trouxe ao conhecimento de todos aqueles personagens
surgidos no mundo encantado e perigoso dos bares, dos prostíbulos, dos
escondidos debaixo da lua.
Ao som de
um bolero antigo, os olhos turvos se comprimem para não chorar. Está ali
precisamente para esquecer as dores de amor. Mas dose após dose, música após
música, é como se os retratos amorosos estivessem sob a mesa. Mas não vai
chorar. Enquanto se serve de mais um trago, lhe chega uma loura tingida com
falso perfume francês. Não quer pagar por “amor”, apenas beber e mais beber,
até que o banco da praça acolha sua solidão. E defronte à janela onde seu amor
impossível se entrega aos braços de outro.
Após as
tavernas fecharam as portas, somente as ruas como mesas e bancos. Um vai
seguindo de garrafa à mão, enquanto outro tenta se segurar numa estátua para
declamar o poema do noctívago errante: “Eis a noite e seus caminhos, com suas
flores e seus espinhos, uma lua que ilumina o coração, mas o desamor e a
saudade que tornam tudo em escuridão...”. E assim vai a madrugada, ébria,
cambaleante, procurando um lugar qualquer para repousar. Dali a instantes já
será manhã. E noite quando da taverna ecoar o bolero.
Não sou do
tempo das noites nas tavernas, mas sou do tempo de mesas de bares
aconchegantes. O Joia, o Gosto Gostoso, o Mahalo e alguns outros. Bons amigos
cultivei assim, entre tragos e palavras tortas. Um tempo bom. Uma verdadeira
poesia no tempo.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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