*Rangel Alves da
Costa
Ninguém
sabia muito bem onde ficava o Timbó, mas Tonho Doido não tirava da boca o nome
de seu lugar de nascimento. E em Poço Redondo, depois de simplesmente aparecer
vindo não se sabe de onde, acabou encontrando lar, família e amigos. Foi
acolhido, cuidado nas suas doenças, alimentado e protegido, até morrer ainda
jovem. Estava com sede, pediu água, deram-lhe gasolina. E foi definhando.
Cinema era
coisa do outro mundo, talvez um bicho que só se ouvia falar. Ora, da boca da noite
em diante o filme era feito às escondidas, nos namoros distantes dos pais. Mas
a meninada, inventiva como ela só, não deixava de brincar de sétima arte.
Aproveitava a luz do poste, levantava a mão, gesticulava o que quisesse, e pelas
paredes apareciam imagens as mais engraçadas e surpreendentes.
Poço
Redondo sempre se mostrou adocicado para os de pouco juízo. Tonho Doido
apareceu e não demorou muito para surgir - também não se sabe de onde -, uma
moreninha chamada Nalvinha. Se Tonho era um doido calado, manso, Nalvinha era
espevitada que só. Mas logo cuidaram de arrumar namoro e casamento entre os
dois. Até que moraram juntos um tempo, mas conviver com outro já é uma doidice
pra quem é são, que se imagine um casal de desajuizados. Não deu certo não.
Certa
feita apareceu um circo na cidade e uma mocinha acabou se apaixonando por um
dos integrantes, acho que malabarista. Rogéria, o seu nome, filha de Antônio
Boa Sorte, morador da Rua de Baixo e um dos cidadãos mais respeitados do lugar.
Namorar o circense era uma coisa, mas tomar a decisão que ela tomou era algo
espantoso demais para a sociedade de então. Eis que ela resolveu seguir o circo
e se tornar dançarina (rumbeira). E fez a estranha em Poço Redondo. Nem o mundo
caiu nem o circo desabou.
Grande
parte dos rapazes poço-redondenses que seguiam para o sul fugindo da seca e em
busca de emprego, retornavam quase que desconhecidos, ainda que não tivessem
passado mais de ano na metrópole. Quando a marinete de Seu Vavá parava na Praça
da Matriz, então descia aquele que mais parecia um artista. Cabelo grande, às
vezes estoquiado, camisa florida, correntes pelo pescoço, anéis imensos, calça
boca de sino, sapato cavalo de aço e um chiado na voz de não acabar mais. De
carioquês forçado, enfeitado demais, quase ninguém entendia o que falava.
Voltava de mala sortida, radiola, disco de balada, quase uma discoteca
ambulante. Mas não demorava muito e o carioca ou paulista era forçado à
conhecida realidade. Sem dinheiro, sem emprego, ia vendendo seu pequeno luxo.
Até ser apenas sertanejo.
Coisa de
se estranhar, mas a vida noturna de Poço Redondo já foi das mais animadas do
sertão. Não havia uma só noite que a Praça da Matriz e arredores não estivessem
tomados de gente de canto a outro, principalmente de estudantes antes e após
saírem das escolas. Mas mesmo a população em geral era mais animada, mais
disposta e chegada a uma festança. Quando chegava sexta-feira à noite, até o
domingo, a imensa juventude acorrendo à discoteca de Mané Dandacho. Nos dias de
baile no mercado então, havia até dificuldade de caminhar em meio a tanta
gente.
Mesmo sem
a paixão de Marizete, outrora foi tia Bebela a grande guardiã da igreja matriz.
Guardava consigo as chaves do templo, cuidava dos ofícios, organizava tudo.
Contudo, tanto beatismo e devoção não conseguiam afastar seu jeito difícil de
ser. Implicava com tudo, tudo tinha de ser ao seu modo e gosto. E por isso
mesmo acabou brigando com o padre da ocasião. E foi briga tão feia que ela
entregou as chaves e jurou nunca mais pisar os pés no lugar. Em seguida mandou
construir sua própria igreja, uma capelinha que até hoje existe ao lado da casa
de Edivaldo e Deijanira.
Quando
Maria do Piau começava a gritar com a cuia na cabeça era uma festa. Mas muita
gente gostava mais quando ela aparecia com um balde cheio de araçá. A maior
delícia que já brotou na terra sertaneja. Assim como delicioso é recordar Mané
Tem-Tem e sua caixa de engraxate, Seu João Fotógrafo e seu tripé de magia em
preto e branco, a música O Milionário anunciando que as atividades do parque
iam começar. Tempo de festas, de festas verdadeiras. De Festa de Agosto.
Depois
retorno, pois tem muito mais.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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