SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 22 de maio de 2016

SIMPLES COMO O MEU SERTÃO


*Rangel Alves da Costa


Ninguém sabia muito bem onde ficava o Timbó, mas Tonho Doido não tirava da boca o nome de seu lugar de nascimento. E em Poço Redondo, depois de simplesmente aparecer vindo não se sabe de onde, acabou encontrando lar, família e amigos. Foi acolhido, cuidado nas suas doenças, alimentado e protegido, até morrer ainda jovem. Estava com sede, pediu água, deram-lhe gasolina. E foi definhando.
Cinema era coisa do outro mundo, talvez um bicho que só se ouvia falar. Ora, da boca da noite em diante o filme era feito às escondidas, nos namoros distantes dos pais. Mas a meninada, inventiva como ela só, não deixava de brincar de sétima arte. Aproveitava a luz do poste, levantava a mão, gesticulava o que quisesse, e pelas paredes apareciam imagens as mais engraçadas e surpreendentes.
Poço Redondo sempre se mostrou adocicado para os de pouco juízo. Tonho Doido apareceu e não demorou muito para surgir - também não se sabe de onde -, uma moreninha chamada Nalvinha. Se Tonho era um doido calado, manso, Nalvinha era espevitada que só. Mas logo cuidaram de arrumar namoro e casamento entre os dois. Até que moraram juntos um tempo, mas conviver com outro já é uma doidice pra quem é são, que se imagine um casal de desajuizados. Não deu certo não.
Certa feita apareceu um circo na cidade e uma mocinha acabou se apaixonando por um dos integrantes, acho que malabarista. Rogéria, o seu nome, filha de Antônio Boa Sorte, morador da Rua de Baixo e um dos cidadãos mais respeitados do lugar. Namorar o circense era uma coisa, mas tomar a decisão que ela tomou era algo espantoso demais para a sociedade de então. Eis que ela resolveu seguir o circo e se tornar dançarina (rumbeira). E fez a estranha em Poço Redondo. Nem o mundo caiu nem o circo desabou.
Grande parte dos rapazes poço-redondenses que seguiam para o sul fugindo da seca e em busca de emprego, retornavam quase que desconhecidos, ainda que não tivessem passado mais de ano na metrópole. Quando a marinete de Seu Vavá parava na Praça da Matriz, então descia aquele que mais parecia um artista. Cabelo grande, às vezes estoquiado, camisa florida, correntes pelo pescoço, anéis imensos, calça boca de sino, sapato cavalo de aço e um chiado na voz de não acabar mais. De carioquês forçado, enfeitado demais, quase ninguém entendia o que falava. Voltava de mala sortida, radiola, disco de balada, quase uma discoteca ambulante. Mas não demorava muito e o carioca ou paulista era forçado à conhecida realidade. Sem dinheiro, sem emprego, ia vendendo seu pequeno luxo. Até ser apenas sertanejo.
Coisa de se estranhar, mas a vida noturna de Poço Redondo já foi das mais animadas do sertão. Não havia uma só noite que a Praça da Matriz e arredores não estivessem tomados de gente de canto a outro, principalmente de estudantes antes e após saírem das escolas. Mas mesmo a população em geral era mais animada, mais disposta e chegada a uma festança. Quando chegava sexta-feira à noite, até o domingo, a imensa juventude acorrendo à discoteca de Mané Dandacho. Nos dias de baile no mercado então, havia até dificuldade de caminhar em meio a tanta gente.
Mesmo sem a paixão de Marizete, outrora foi tia Bebela a grande guardiã da igreja matriz. Guardava consigo as chaves do templo, cuidava dos ofícios, organizava tudo. Contudo, tanto beatismo e devoção não conseguiam afastar seu jeito difícil de ser. Implicava com tudo, tudo tinha de ser ao seu modo e gosto. E por isso mesmo acabou brigando com o padre da ocasião. E foi briga tão feia que ela entregou as chaves e jurou nunca mais pisar os pés no lugar. Em seguida mandou construir sua própria igreja, uma capelinha que até hoje existe ao lado da casa de Edivaldo e Deijanira.
Quando Maria do Piau começava a gritar com a cuia na cabeça era uma festa. Mas muita gente gostava mais quando ela aparecia com um balde cheio de araçá. A maior delícia que já brotou na terra sertaneja. Assim como delicioso é recordar Mané Tem-Tem e sua caixa de engraxate, Seu João Fotógrafo e seu tripé de magia em preto e branco, a música O Milionário anunciando que as atividades do parque iam começar. Tempo de festas, de festas verdadeiras. De Festa de Agosto.
Depois retorno, pois tem muito mais.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: