*Rangel Alves da Costa
As flores também nascem e florescem, exalam
perfumes e encantam a vida, no outono. Imagina-se sempre ser o outono a estação
da tristeza, da morte, da desfolhagem, da melancolia. Também é assim, mas sempre
brota um jardim a quem souber semear.
Em contraste com a estação das folhas
tristes, ao vento, tem-se a primavera como a pujança florida, alegre,
cativante. Mas mesmo na primavera não há jardim que floresça sem que a pessoa
se faça de jardineiro para cultivar o que deseja colher.
Ora, o que é pessoa alegre, sorridente,
procurando a felicidade, o prazer em viver, senão uma bela flor em qualquer
estação. Seja no outono, na primavera, no verão ou inverno, nascem igualmente às
flores e perfumam a mais bela fragrância da existência.
É uma questão de desejo, de querer, de
propensão espiritual, de busca de germinar, crescer, florir e perfumar. É
também uma questão de ser a flor que se deseja e exalar o perfume que se
desejar. Numa alma triste perde a cor e o aroma a mais bela flor.
O estado da alma é jardim poderoso. Ao
colocar duas rosas de uma mesma roseira ao lado de duas pessoas, sendo uma
triste e outra alegre, logo se terá a comprovação de como o espírito fortalece
ou enfraquece o que está ao seu alcance. Uma rosa durará, perfumada e
encantadora, enquanto a outra murchará em pouco tempo.
O jardim da alma é que faz preservar a
essência. Por isso mesmo não há outono mais castigante que consiga esmorecer ou
murchar a flor que se deseja ter. E fazer nascer e florir o jardim que se
deseja de inigualável beleza. E, mesmo na primavera, fazer morrer o que de mais
pujança florescer a cada manhã. Cadê a felicidade que a tudo aduba.
Até mesmo flores de plástico, dessas que são
colocadas em jarros de mesa para uma eternidade, de repente podem parecer
colhidas em jardim. As poeiras se dissipam, as hastes ganham verdor, as pétalas
afinam e brilham como se desejando um afago. Mas nenhum milagre ou acaso,
simplesmente porque a pessoa está com estima tão elevada que tem o dom de
transformar o inanimado em suave frescor.
Não adiante chorar sobre rosas, não adianta
lamentar em buquês. Nada renasce assim. As lágrimas não descem como gotas de
chuva ou sereno da noite, as palavras tristes não são ouvidas como afagos à
alma, e sim como pesares que entristecem e murcham toda esperança e todo
reencontro com a felicidade. Nada que dependa de si se afasta de si ou se
transforma em outro quando sobre sua existência há compartilhamento de dores e
dissabores.
Daí que, reconhecendo essa relação da pessoa
para com tudo aquilo que lhe é importante, não há como deixar transferir as
angústias e os sofrimentos a quem ou ao que não mereça igualmente sofrer. Há
uma interiorização no objeto daquilo que é transmitido pela alma triste, como
um doloroso repasse de uma situação que o outro não deveria sentir.
As flores da primavera murcham assim, porque
já chegam sem vida às mãos de quem não possui sequer um sorriso. As flores de
plástico ganham vida assim, porque envolvidas em felicidades tais que
desabrocham em formosura. É tudo uma questão de querer: o pássaro voa porque os
olhos desejam, há um coração na nuvem porque o olhar assim deseja avistar.
Também é assim que as flores nascem no
outono. Uma alma que não se permite sofrer, que não cultiva sentimentos ruins
ou não admite imaginar espinhos em campos de paz, também será alma que colherá
os melhores frutos em qualquer estação. As flores brotarão não somente no
outono como em quaisquer instantes da vida.
As flores nascem no outono e continuam
florescendo até que a pessoa deseje. A natureza-morta ganha vida no quadro da
parede, as pétalas de plástico ganha viço e perfume no jarro sobre a mesa, a
flor murcha se refaz antes que chegue a ventania. E assim com o coração sem
esperança que começa a pulsar para uma nova vida de felicidades. E não há que
se espantar quando o sol bonito e brilhoso entrar pela janela em plena noite de
escuridão.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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