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quinta-feira, 10 de setembro de 2015

A GIRAFA TÃO ALTA E OUTROS SERES TÃO BAIXOS


Rangel Alves da Costa*


Por que a girafa é tão alta e outros seres, inclusive o homem, são tão baixos? A girafa não é tão alta apenas pelo pescoço alongado demais, mas também pelas pernas imensas e uma estrutura física possante e alongada. Em compensação, os demais bichos se contentam em viver quase no reles do chão e mais ainda em ter sua boca próxima ao que vai abocanhar. Olhando do alto à insignificância lá embaixo, a girafa certamente pergunta: cadê o homem?
A girafa, um mamífero artiodátilo, ruminante, da família dos girafídeos, chega a seis metros de altura. Só o cumprimento do corpo chega a mais de dois metros. O corpanzil imenso e rígido não impede, contudo, que corra em altas velocidades para fugir dos predadores. Sempre desconfiada, ainda que do alto aviste tudo o que se passa ao redor, prefere dormir em pé, sempre alerta e pronta para sair em disparada, mas não sem antes proporcionar um coice devastador.
Mas por que tanto caracterizar a girafa, se o importante mesmo é saber que ela é a mais alta entre todos os mamíferos e perto dela os outros bichos não passam de nanicos misturados às outras insignificâncias? Ora, simplesmente para dizer acerca de sua situação no reino animal em comparação aos outros que se acumulam nos arredores. Também para afirmar de sua condição especial em relação àqueles cuja pequenez impede de avistar o mundo além do que está ao alcance.
Somente os pássaros nas alturas, em pleno voo, dotados que são do instinto primaz de liberdade, conseguem enxergar o mundo numa perspectiva maior que a girafa e também avançar imediatamente no conhecimento de outras realidades. Se os pássaros possuem, quando no alto, uma perspectiva de visão maior que a da girafa, imagine com relação ao homem e outros bichos rastejantes nas suas experiências de vida rasteira. Ademais, avistar o mundo do alto, ou enxergar as realidades na sua inteireza, parece não ser um dom daqueles que vivem se contentando em encontrar carniças para degustar. Não acontece diferente também com o homem.
Sempre entretida em mastigar as folhas, os brotos e os frutos, do alto das árvores, a girafa sequer tem tempo de olhar abaixo. Saboreia lentamente e sossegada, a seguir vai lentamente em busca de outra mesa, e assim leva sua vida sem se importar com a terrível luta pela sobrevivência na altura do chão. Ali, na terra chamada mundo, os bichos se digladiam por toda parte. Os animais maiores fazem os menores de presa, os mais insaciáveis vivem em constante emboscada à espera do primeiro que passe adiante. E o homem, comumente se achando soberano maior de toda a natureza, simplesmente vai dizimando não só a terra como os habitantes da mata.
A girafa, com seu olhar miúdo, porém sempre atento, apenas olha de soslaio a ação humana. E pensa: Que bicho pequeno é o homem, um verdadeiro verme rastejante. E ainda assim se arvora do direito de querer sobrepor-se a tudo que há na vida. Ao invés de se contentar com os seus iguais, vez que é o próprio homem a sua vítima mais constante, tem petulância de querer escravizar o restante da vida. Verdadeiramente avesso é o homem. Cego perante aquilo que deveria avistar, sem coração que possa resguardar algum tipo de sentimento, incapaz de reconhecer-se a si mesmo, ainda tem a petulância de querer ter às suas mãos a sentença de vida e de morte sobre tudo e todos os seres da natureza. E também do seu mundo.
Enquanto mastiga, a girafa filosofa de sua altura: A cobra, que não anda e só rasteja, vivendo faminta para lançar suas presas nos calcanhares, em nada se diferencia do homem. Igualmente a este, nasceu bondosa, desvirtuou-se para o mal e foi castigada pelo criador. Daí em diante rasteja infinitamente. E o homem não foi criado com instinto ruim, com o ânimo negativo da destruição, da violência, de fazer os demais correr perigo em suas mãos. O criador ainda não lhe deu o merecido castigo, mas ele mesmo se penaliza a cada dia e vai semeando em si sofrimentos terríveis. Só falta mesmo rastejar. Mas talvez nem isso lhe falte, pois é verdadeira serpente chacoalhando o guizo por onde anda. E possui veneno mais poderoso e mortal que qualquer cascavel.
Mesmo o elefante, que reconhecidamente é um animal imenso, sequer chega perto da altura da girafa. É mais forte, possui mais força, mas possui uma visão curta demais e que não vai além daquilo que está à sua frente. Já o homem, que sobe ao espaço, passeia nas nuvens, alcança a altura que desejar por meios artificiais, não possui sequer a força para superar uma formiga no seu trabalho. Anda, corre, pula, mas poderia somente rastejar. E ser apenas rastejante parece ser o seu destino oculto. Tanto rasteja para bajular como para se esconder de seus próprios fantasmas.
Mas a girafa não. Na sua imponência, apenas mastiga a folha. Lança seu olhar nas lonjuras e avista um ser em meio ao lamaçal e não reconhecendo qual seja logo indaga: será o homem?


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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