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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 28 de setembro de 2015

ILUSTRES VISITANTES


Rangel Alves da Costa*


Neste último domingo, 27 de setembro, eu estava em Poço Redondo, no sertão sergipano do São Francisco, organizando algumas peças do acervo do Memorial Alcino Alves Costa, quando, um pouco antes do meio-dia, vi-me surpreendido com a chegada de dois ilustres visitantes, vindos do Juazeiro do Padre Cícero e ali de passagem para uma visita à antiga residência do amigo Alcino, falecido em 2012.
Tratava-se de dois escritores, pesquisadores e estudiosos das lutas sociais nordestinas de antigamente, principalmente o fenômeno cangaço. O primeiro, Oleone Coelho Fontes, jornalista baiano, autor de obras de relevo na historiografia nordestina, dentre as quais Lampião na Bahia, O treme-terra, No rastro das alpercatas do Conselheiro, Euclides da Cunha e a Bahia, Sergipe na Guerra de Canudos e Um jagunço em Paris.
O segundo, José Bezerra Lima Irmão, autor de Lampião – A Raposa das Caatingas, obra publicada em 2014 e que se trata de um dos mais profundos estudos acerca da trajetória de Virgulino Ferreira da Silva, o famoso Lampião. Fruto de muitos anos de pesquisa, o resultado foi um livro grandioso tanto no conteúdo como na forma, pois são 740 páginas. Sobre o livro, assim se referiu o próprio autor, à época do lançamento:
“Depois de onze anos de pesquisas e mais de trinta viagens por sete Estados do Nordeste, entrego afinal aos meus amigos e estudiosos do fenômeno do cangaço o resultado desta árdua porém prazerosa tarefa: Lampião – a Raposa das Caatingas. Lamento que meu dileto amigo Alcino Costa não se encontre mais entre nós para ver e avaliar este livro, ele que foi meu maior incentivador, meu companheiro de inesquecíveis e aventurosas andanças pelas caatingas de Poço Redondo e Canindé. Este livro – 740 páginas – tem como fio condutor a vida do cangaceiro Lampião, o maior guerrilheiro das Américas. Analisa as causas históricas, políticas, sociais e econômicas do cangaceirismo no Nordeste brasileiro, numa época em que cangaceiro era a profissão da moda”.
Ainda com referência a Oleone Coelho Fontes, é preciso relembrar que o mesmo foi o autor do prefácio do contraditório e combatido livro O Mata-Sete, de Pedro Morais, onde se coloca em dúvida a masculinidade de Lampião. E bastou tal fato para que Oleone recebesse as críticas mais desabonadoras da grande maioria dos pesquisadores e estudiosos do cangaço. Creio que aos poucos foi sendo perdoado. Mas, segundo afirmou o prefaciador, atendeu apenas um pedido do amigo Pedrinho, como se refere ao contestável autor. Porém, sem comungar com as conclusões lançadas no livro.
Então, ao me dirigir ao portão do memorial encontrei Oleone e Bezerra. Este, em tom sorridente, foi logo perguntando se Alcino estava. E estava mesmo, porém na sua obra ali presente e na sua memória sempre pujante naqueles sertões. Em seguida, como se quisesse provocar o amigo Oleone, afirmou: Amigo Rangel, agora lhe peço uma coisa, por você e principalmente por meu amigo Alcino, jamais deixe que aquele livro prefaciado por este moço aí chegue a estas estantes. Nunca mais colocarei os pés aqui se aquela mentira fizer rastro onde ainda passa Alcino.
Os dois escritores são amigos de longa data de meu pai Alcino. Mantinha contato telefônico constante com Oleone e correspondência frequente, além de muitos encontros em eventos acerca do cangaço. Os dois sempre estavam costurando velhos retalhos da saga cangaceira no intuito de obter tramas possíveis. Com Bezerra foi mais presencial, pois este fazia constantes visitas ao sertão e com Alcino percorriam localidades de importância no contexto do cangaço. Como resultado, a maioria das referências do livro de Bezerra se volta para a obra de Alcino.
Senti-me verdadeiramente comovido com a visita, com a disposição dos dois de enveredarem pelos sertões sergipanos para uma visita ao memorial em homenagem ao amigo falecido em 2012, e na mesma residência onde recebia a todos e escrevia seus livros reconhecidos nacionalmente. Para se ter ideia, o livro Lampião Além da Versão – Mentiras e Mistérios de Angico, tornou-se verdadeira obra-prima na literatura cangaceira. E, como marco da visita, Oleone e Bezerra autografaram livros e doaram ao acervo do memorial.
Foram momentos prazerosos e inesquecíveis entre diálogos, apreciação do acervo e fotografias, e mais memoráveis ainda pelo simples fato de eu estar representando o meu pai perante aquela amizade desde muito construída. Como já disse o poeta, os amigos retornam para rever os amigos, ainda que estes já tenham tomado outro destino. Meu pai partiu, mas os amigos retornaram à sua porta.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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