Rangel Alves da
Costa*
Neste
último domingo, 27 de setembro, eu estava em Poço Redondo, no sertão sergipano
do São Francisco, organizando algumas peças do acervo do Memorial Alcino Alves
Costa, quando, um pouco antes do meio-dia, vi-me surpreendido com a chegada de
dois ilustres visitantes, vindos do Juazeiro do Padre Cícero e ali de passagem
para uma visita à antiga residência do amigo Alcino, falecido em 2012.
Tratava-se
de dois escritores, pesquisadores e estudiosos das lutas sociais nordestinas de
antigamente, principalmente o fenômeno cangaço. O primeiro, Oleone Coelho
Fontes, jornalista baiano, autor de obras de relevo na historiografia
nordestina, dentre as quais Lampião na Bahia, O treme-terra, No rastro das
alpercatas do Conselheiro, Euclides da Cunha e a Bahia, Sergipe na Guerra de
Canudos e Um jagunço em Paris.
O segundo,
José Bezerra Lima Irmão, autor de Lampião – A Raposa das Caatingas, obra
publicada em 2014 e que se trata de um dos mais profundos estudos acerca da
trajetória de Virgulino Ferreira da Silva, o famoso Lampião. Fruto de muitos
anos de pesquisa, o resultado foi um livro grandioso tanto no conteúdo como na
forma, pois são 740 páginas. Sobre o livro, assim se referiu o próprio autor, à
época do lançamento:
“Depois de
onze anos de pesquisas e mais de trinta viagens por sete Estados do Nordeste,
entrego afinal aos meus amigos e estudiosos do fenômeno do cangaço o resultado
desta árdua porém prazerosa tarefa: Lampião – a Raposa das Caatingas. Lamento
que meu dileto amigo Alcino Costa não se encontre mais entre nós para ver e
avaliar este livro, ele que foi meu maior incentivador, meu companheiro de
inesquecíveis e aventurosas andanças pelas caatingas de Poço Redondo e Canindé.
Este livro – 740 páginas – tem como fio condutor a vida do cangaceiro Lampião,
o maior guerrilheiro das Américas. Analisa as causas históricas, políticas,
sociais e econômicas do cangaceirismo no Nordeste brasileiro, numa época em que
cangaceiro era a profissão da moda”.
Ainda com
referência a Oleone Coelho Fontes, é preciso relembrar que o mesmo foi o autor
do prefácio do contraditório e combatido livro O Mata-Sete, de Pedro Morais,
onde se coloca em dúvida a masculinidade de Lampião. E bastou tal fato para que
Oleone recebesse as críticas mais desabonadoras da grande maioria dos
pesquisadores e estudiosos do cangaço. Creio que aos poucos foi sendo perdoado.
Mas, segundo afirmou o prefaciador, atendeu apenas um pedido do amigo Pedrinho,
como se refere ao contestável autor. Porém, sem comungar com as conclusões
lançadas no livro.
Então, ao
me dirigir ao portão do memorial encontrei Oleone e Bezerra. Este, em tom
sorridente, foi logo perguntando se Alcino estava. E estava mesmo, porém na sua
obra ali presente e na sua memória sempre pujante naqueles sertões. Em seguida,
como se quisesse provocar o amigo Oleone, afirmou: Amigo Rangel, agora lhe peço
uma coisa, por você e principalmente por meu amigo Alcino, jamais deixe que
aquele livro prefaciado por este moço aí chegue a estas estantes. Nunca mais
colocarei os pés aqui se aquela mentira fizer rastro onde ainda passa Alcino.
Os dois
escritores são amigos de longa data de meu pai Alcino. Mantinha contato
telefônico constante com Oleone e correspondência frequente, além de muitos
encontros em eventos acerca do cangaço. Os dois sempre estavam costurando
velhos retalhos da saga cangaceira no intuito de obter tramas possíveis. Com
Bezerra foi mais presencial, pois este fazia constantes visitas ao sertão e com
Alcino percorriam localidades de importância no contexto do cangaço. Como
resultado, a maioria das referências do livro de Bezerra se volta para a obra
de Alcino.
Senti-me
verdadeiramente comovido com a visita, com a disposição dos dois de enveredarem
pelos sertões sergipanos para uma visita ao memorial em homenagem ao amigo
falecido em 2012, e na mesma residência onde recebia a todos e escrevia seus
livros reconhecidos nacionalmente. Para se ter ideia, o livro Lampião Além da
Versão – Mentiras e Mistérios de Angico, tornou-se verdadeira obra-prima na
literatura cangaceira. E, como marco da visita, Oleone e Bezerra autografaram
livros e doaram ao acervo do memorial.
Foram
momentos prazerosos e inesquecíveis entre diálogos, apreciação do acervo e
fotografias, e mais memoráveis ainda pelo simples fato de eu estar
representando o meu pai perante aquela amizade desde muito construída. Como já
disse o poeta, os amigos retornam para rever os amigos, ainda que estes já
tenham tomado outro destino. Meu pai partiu, mas os amigos retornaram à sua
porta.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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