Rangel Alves da Costa*
A saudade é sentimento dos mais estranhos.
Também dos mais exigentes. A saudade não vem a qualquer hora nem em qualquer
lugar. Nem tudo provoca saudade. Ela exige motivação e ambientação para
acontecer. É sempre romântica, nostálgica, cautelosa demais. Gosta de aparecer
junto com o pôr do sol, debaixo do clarão da lua, em instantes de chuva, assim
que ecoa uma canção antiga. Também gosta de ser provocada. Parece adorar quando
a pessoa vai em busca de velharias, de baús, retalhos e velhos recortes dos
tempos idos. Nada lhe atiça mais que um retrato de pessoa amada, uma carta de
amor, uma visão ou perfume que produza aquele tão conhecido e doloroso
sentimento de querer de novo. Tudo isso provoca saudade e disso ela se alimenta.
Alimenta-se ainda da solidão, das casualidades da vida, das pequenas coisas que
fazem relembrar. Gosta de ter um lenço ao lado, uma vela para ser acesa, um
copo de bebida, uma taça de vinho, mas também três a cinco gotas de veneno. Por
que ela também é devastadora. O dia inteiro ela se transmuda em sorriso,
alegria, contentamento. Parece mesmo esperar o momento exato para reaparecer e
agir. E sem querer, muitas vezes apenas porque ouviu a onda quebrando no cais,
a pessoa começa a recordar e a sofrer. Então a saudade sorri, mas um sorriso
dissimulado e frio. E também devastador.
A saudade é pássaro, é passo, é vento
soprando. Possui asas, vai e volta em instantâneos voos. Num instante e já está
trazendo no seu bico um bilhete que faz atormentar ainda mais. Com poder
próprio de ação, de comando de vida e destino, ela abre a janela, escancara a
porta, e segue adiante em correria. Não se incomoda com curvas, desafios ou
perigos, pois sobe da terra e alcança as nuvens. O pensamento é seu caminho
mais certeiro, aquele por onde trafegam as vontades, os desejos, as
necessidades da alma. Basta pensar e já se está caminhando. Basta imaginar e já
se está diante da pessoa que se deseja reencontrar. No encontro a desilusão,
eis que mesmo tendo voz de súplica, a saudade não consegue transportar o outro
até a presença de quem tanto entristece pela distância. Talvez esta seja sua
maior falha: sente necessidade de ter bem ao lado, de usufruir, de se dar, e
por isso mesmo se apressa em direção ao desejo, mas não pode transportar
fisicamente a pessoa desejada. E a certeza de ter avistado na mente, a certeza
de ter conseguido estar face a face, bem como a certeza que o reencontro
fortaleceu ainda mais o amor sentido, são as consequências mais dolorosas
provocadas pela saudade. A mente avista, o corpo sente, parece que está à
presença, tudo se transforma em possibilidade, mas apenas a ilusão que
conflagra e devora. Sofre, chora, se aflige, se atormenta, mas nunca desiste,
pois toda grande saudade sempre retorna, e tantas vezes mais forte que a
pessoas chega às portas do ensandecimento. E como vento vai, ganha asas
novamente pelo ar e faz surgir da aflição uma velha cantiga de amor.
A saudade é tão ardilosa quanto estrategista.
Se oculta, se mantem escondida, foge de situações para reaparecer em outros
contextos. Sempre silenciosa, premeditadamente soturna, só fala intimamente e
muitas vezes chegar a gritar o mais alto dos gritos. Talvez com poderes
mágicos, acaba conduzindo a pessoa para ambientes propícios a desvelar seus
mistérios. Abre a porta do quarto sem se preocupar em acender a luz e
simplesmente diz: agora sinta toda saudade guardada no peito, incontida na
alma, revelada no teu coração que desespera por tanto esperar qualquer
reencontro. E no silêncio do quarto escuro, em meio a mais aflitiva das
solidões, novamente faz surgir a sua silenciosa voz: agora reencontre na mente
o que deseja, vá buscar no pensamento aquilo que lhe faz tanta falta, e não
veja distância naquilo que pode ter agora ao teu lado. E vai fazendo com que a
pessoa relembre a face do amor distante, traga ao pensamento os laços familiares
que já estão em outra dimensão, relembre momentos e situações e tenha
necessidade de ter tudo de volta, ao menos por alguns instantes. E não para por
aí. Abre a janela para as cores do entardecer sejam avistadas, para que a
poesia da noite recaia em versos, para que a chuva molhe o rosto e se misture
às lágrimas. Depois de atormentar a alma, de afligir todo o ser, simplesmente
vai embora.
Vai embora, a saudade vai embora, mas não sem
antes deixar um rastro de agruras e sofrimentos. Sempre deixa para trás um
lenço molhado, um olhar vazio, um coração fragilizado. Mas depois retorna.
Espera somente o lenço enxugar para depois retornar.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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