Rangel Alves da Costa*
O sabiá estava triste demais, uma tristeza
indescritível no sabiá. Dois dias sem voar, dois dias sem cantar, dois dias sem
sair da copa do galho mais alto da árvore. Seu ninho era logo mais abaixo, mas
nem voltar ao lar ele parecia querer. Por que não voa, por que não canta, por
que não faz festa na vida passarinheira? Por que tanta tristeza, sabiá? Aquele
sofrimento todo não era de solidão, não era de saudade da amada, não era de
enfermidade, não era de qualquer coisa própria dos passarinhos. Por amor não
haveria razão para sofrer. Escolheu a solidão para afinar mais o canto, para
melhor refletir sobre a vida, para cuidadosamente enfeitar o ninho para quando
desejasse a companhia de uma sabiá bonita. Na verdade, já estava envelhecido,
já estava cansado de tanto voar e cantar em cima da copa das árvores. Mas sua
tristeza tinha outra motivação. Desde muito que observava o sumiço de outros
passarinhos. Quase não havia mais ninho nem se ouvia mais a festa da cantoria
passarinheira. Também pudera, quase não havia mais mato, mais arvoredo alto
pelos arredores. O que era dos bichos, dos pássaros, dos encantados e da
natureza, parecia ter sumido com a invasão desenfreada do homem. Caçador,
lenhador, gente com facão ou serra elétrica, ali chegava e começava o gemido de
tudo. As árvores se dobrando em lamento e a voracidade humana querendo mais.
Tanto assim que agora só restavam algumas poucas árvores naquela que um dia foi
exuberante floresta. Daí não ter mais ânimo para cantar, para voar, para buscar
a felicidade. Talvez o seu ninho fosse o próximo a ser derrubado. E qual motivo
de felicidade numa vida assim de ameaça e extinção?
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
triste... enquanto eu lia, escutava os sabiás cantando por aqui, e pensei: até quando estarão tão perto?
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