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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Palavra Solta: sabiá tão triste, quanta tristeza do sabiá...


Rangel Alves da Costa*


O sabiá estava triste demais, uma tristeza indescritível no sabiá. Dois dias sem voar, dois dias sem cantar, dois dias sem sair da copa do galho mais alto da árvore. Seu ninho era logo mais abaixo, mas nem voltar ao lar ele parecia querer. Por que não voa, por que não canta, por que não faz festa na vida passarinheira? Por que tanta tristeza, sabiá? Aquele sofrimento todo não era de solidão, não era de saudade da amada, não era de enfermidade, não era de qualquer coisa própria dos passarinhos. Por amor não haveria razão para sofrer. Escolheu a solidão para afinar mais o canto, para melhor refletir sobre a vida, para cuidadosamente enfeitar o ninho para quando desejasse a companhia de uma sabiá bonita. Na verdade, já estava envelhecido, já estava cansado de tanto voar e cantar em cima da copa das árvores. Mas sua tristeza tinha outra motivação. Desde muito que observava o sumiço de outros passarinhos. Quase não havia mais ninho nem se ouvia mais a festa da cantoria passarinheira. Também pudera, quase não havia mais mato, mais arvoredo alto pelos arredores. O que era dos bichos, dos pássaros, dos encantados e da natureza, parecia ter sumido com a invasão desenfreada do homem. Caçador, lenhador, gente com facão ou serra elétrica, ali chegava e começava o gemido de tudo. As árvores se dobrando em lamento e a voracidade humana querendo mais. Tanto assim que agora só restavam algumas poucas árvores naquela que um dia foi exuberante floresta. Daí não ter mais ânimo para cantar, para voar, para buscar a felicidade. Talvez o seu ninho fosse o próximo a ser derrubado. E qual motivo de felicidade numa vida assim de ameaça e extinção?


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Um comentário:

Ana Bailune disse...

triste... enquanto eu lia, escutava os sabiás cantando por aqui, e pensei: até quando estarão tão perto?